Confesso que ando um pouco
cansado da psiquiatria e pensando em mudar de profissão. Estou há exatos 25
anos nessa área e ainda não consegui curar ninguém. Quem sabe eu me torne um
escritor? Se é para morrer de fome, melhor que seja como um artista. Seria
muito mais romântico. Não precisar mais publicar artigos científicos, atualizar
meu currículo Lattes[1] ou
atender telefonemas de pacientes chatos, e só me preocupar em escrever as
bobagens que me viessem à cabeça – mesmo que ninguém pagasse por elas. Seria o
Paraíso!
Mas, enquanto a covardia
continuar vencendo a ousadia, vou ficando por aqui. De qualquer forma, é melhor
ser psiquiatra do que psiquiátrico. Hoje, porém, me senti como um paciente
psiquiátrico. Foi o seguinte. Tive que me submeter a um exame de ressonância
magnética. Estava perfeitamente tranquilo até o momento em que entrei no tubo e
não segui a instrução de fechar os olhos. Deu-me de imediato um ataque de
claustrofobia, achei que não iria conseguir respirar e, como a maioria faz no
treinamento do BOPE, pedi para sair. Que mico! Depois de retirado de lá, fui logo
dando explicações à técnica que operava o equipamento: que eu era psiquiatra,
que isso só ocorria com os pacientes e que nunca tinha acontecido comigo – pois
é, todo homem um dia acaba tendo que dar essa explicação para uma mulher, em
geral quando a dificuldade é em entrar em outro tipo de tubo.
O que também ocasionou o meu
princípio de ataque de pânico foi saber que teria que ficar vinte minutos lá
dentro. Vinte minutos?! Eu teria que ficar esse tempo todo pensando na minha
própria vida?! Mas que tortura! Não poderiam colocar um monitor de TV para eu
poder desligar o meu cérebro e não lembrar minhas próprias desgraças?!
Segunda tentativa e, dessa
vez, tudo correu bem. Não abri os olhos e usei como estratégia só pensar em
coisas boas: revivi em minha mente o gol do Nunes na final do Brasileiro de
1980 – neste jogo, sim, eu estava no Maracanã -, lembrei-me da beleza da Grace
Kelly em Janela Indiscreta , do
Hitchcock e imaginei como seria o funeral do general Waldick, meu adorável
vizinho do 505. Terminado o exame, para recuperar a pose, simulei uma
reclamação: “Poxa, já acabou?! Não dá para ficar mais um pouquinho?”.
Moral da história: o que os
olhos não veem o coração não sente. Se a economia do país vai bem, por que
devemos nos preocupar com a corrupção nos altos escalões? Se a sua parceira não
tem mais aquele corpão – ou nunca o teve -, apague a luz do quarto e fantasie
que você está com a Scarlett Johansson. Se o homem é o lobo do homem, o mundo é
cruel e todos vamos envelhecer e morrer um dia, melhor assistir às novelas da
TV e ler livros de autoajuda, enquanto esperamos pela vida eterna, ao lado dos
anjinhos, lá no Céu. Pois é, a ilusão é sempre melhor que a realidade. E, como
o ministério da saúde adverte – ou deveria fazê-lo -, a realidade faz mal à saúde.
Feche os olhos e... seja feliz.
14/06/2011
[1] Base
de dados de currículos, instituições e grupos de pesquisa das áreas de ciência
e tecnologia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário