segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O QUE OS OLHOS NÃO VEEM...





Confesso que ando um pouco cansado da psiquiatria e pensando em mudar de profissão. Estou há exatos 25 anos nessa área e ainda não consegui curar ninguém. Quem sabe eu me torne um escritor? Se é para morrer de fome, melhor que seja como um artista. Seria muito mais romântico. Não precisar mais publicar artigos científicos, atualizar meu currículo Lattes[1] ou atender telefonemas de pacientes chatos, e só me preocupar em escrever as bobagens que me viessem à cabeça – mesmo que ninguém pagasse por elas. Seria o Paraíso!
Mas, enquanto a covardia continuar vencendo a ousadia, vou ficando por aqui. De qualquer forma, é melhor ser psiquiatra do que psiquiátrico. Hoje, porém, me senti como um paciente psiquiátrico. Foi o seguinte. Tive que me submeter a um exame de ressonância magnética. Estava perfeitamente tranquilo até o momento em que entrei no tubo e não segui a instrução de fechar os olhos. Deu-me de imediato um ataque de claustrofobia, achei que não iria conseguir respirar e, como a maioria faz no treinamento do BOPE, pedi para sair. Que mico! Depois de retirado de lá, fui logo dando explicações à técnica que operava o equipamento: que eu era psiquiatra, que isso só ocorria com os pacientes e que nunca tinha acontecido comigo – pois é, todo homem um dia acaba tendo que dar essa explicação para uma mulher, em geral quando a dificuldade é em entrar em outro tipo de tubo.
O que também ocasionou o meu princípio de ataque de pânico foi saber que teria que ficar vinte minutos lá dentro. Vinte minutos?! Eu teria que ficar esse tempo todo pensando na minha própria vida?! Mas que tortura! Não poderiam colocar um monitor de TV para eu poder desligar o meu cérebro e não lembrar minhas próprias desgraças?!
Segunda tentativa e, dessa vez, tudo correu bem. Não abri os olhos e usei como estratégia só pensar em coisas boas: revivi em minha mente o gol do Nunes na final do Brasileiro de 1980 – neste jogo, sim, eu estava no Maracanã -, lembrei-me da beleza da Grace Kelly em Janela Indiscreta, do Hitchcock e imaginei como seria o funeral do general Waldick, meu adorável vizinho do 505. Terminado o exame, para recuperar a pose, simulei uma reclamação: “Poxa, já acabou?! Não dá para ficar mais um pouquinho?”.
Moral da história: o que os olhos não veem o coração não sente. Se a economia do país vai bem, por que devemos nos preocupar com a corrupção nos altos escalões? Se a sua parceira não tem mais aquele corpão – ou nunca o teve -, apague a luz do quarto e fantasie que você está com a Scarlett Johansson. Se o homem é o lobo do homem, o mundo é cruel e todos vamos envelhecer e morrer um dia, melhor assistir às novelas da TV e ler livros de autoajuda, enquanto esperamos pela vida eterna, ao lado dos anjinhos, lá no Céu. Pois é, a ilusão é sempre melhor que a realidade. E, como o ministério da saúde adverte – ou deveria fazê-lo -, a realidade faz mal à saúde. Feche os olhos e... seja feliz.

14/06/2011




[1] Base de dados de currículos, instituições e grupos de pesquisa das áreas de ciência e tecnologia.



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