segunda-feira, 8 de agosto de 2011

ALFRED HITCHCOCK, O MESTRE DA CULPA





Meu grande ídolo é o Woody Allen, mas, como cineasta, considero o Hitchcock o maior de todos os tempos. Vários dos meus filmes favoritos são dele: Um corpo que cai, Janela indiscreta, Psicose, Frenesi, Os pássaros, Intriga internacional, A dama oculta, entre outros. Aliás, Um corpo que cai é para mim o melhor filme da História do cinema - mas isto é assunto para uma próxima oportunidade.
O velho Hitch ficou conhecido como o mestre do suspense. Sem dúvida nenhuma, a maioria dos seus filmes, especialmente os melhores, pertence a esse gênero, que ele dominava como ninguém. No entanto, a tese que vou aqui defender é a de que o tema essencial de sua obra é a culpa. Assim, alternativamente, ele poderia ser chamado de o mestre da culpa.
Qual é a trama típica de seus filmes? É cometido um assassinato e um indivíduo é injustamente acusado de ser o autor do crime. O falso culpado, então, tenta encontrar o verdadeiro criminoso, ao mesmo tempo em que é perseguido pela polícia. O final quase sempre é feliz: o protagonista é inocentado, e o assassino morre ou vai para a cadeia. Intriga internacional talvez seja o melhor exemplo desse modelo.
Mas a culpa não estava apenas em seus filmes, estava principalmente em sua alma - não estou me referindo à sua esposa, Alma Reville Hitchcock. Em entrevistas, Hitchcock adorava contar uma história de sua infância. Aos quatro ou cinco anos de idade, ele havia feito alguma pequena travessura e, em função disso, seu afetuoso pai o mandou a uma delegacia de polícia com um bilhete. O delegado o leu e, em seguida, trancou o jovem Hitch numa cela por alguns minutos - que devem ter parecido uma eternidade -, dizendo a ele: “Veja o que se faz com os meninos maus”. Já adulto, Hitchcock dizia que sentia muito medo de policiais e que jamais aprendera a dirigir um automóvel para não correr o risco de ser abordado por um agente da lei. Porém, na sua obra, conseguiu de certa forma se vingar: em seus filmes, a polícia é em geral incompetente e quase nunca consegue descobrir quem é o criminoso.
Embora tenha nascido na Inglaterra, Hitchcock era de uma família católica, tendo sido, inclusive, educado em uma rigorosa escola de padres jesuítas, que puniam os maus comportamentos com a palmatória. (Nada melhor do que o catolicismo para incutir o sentimento de culpa no ser humano!) Em alguns filmes, ele parecia estar querendo dar o troco também na Igreja. Um exemplo disso está em A tortura do silêncio, no qual um homem se confessa com um padre, revelando ter matado alguém. Por ironia, o padre é acusado desse crime, mas não pode entregar o verdadeiro assassino, devido ao sigilo do sacramento da confissão. Já em Trama macabra, seu último filme, um bispo é sequestrado em uma catedral no meio de uma missa que celebrava.
Acredito que os filmes do Hitchcock sempre foram tão populares porque promovem nos espectadores o alívio de suas culpas. Vou tentar explicar. A religião nos ensina que todos somos pecadores. Mal nascemos e já somos acusados do pecado original. Ela nos ensina ainda que não é necessário que a pessoa faça algo de errado para merecer punição, basta desejar ou mesmo apenas imaginar. Freud, por sua vez, nos mostrou que as regras e proibições morais são internalizadas pelo indivíduo e constituem grande parte de uma estrutura intrapsíquica que ele chamou de superego. Este está sempre monitorando e julgando nossas ações, pensamentos e desejos, mesmo os inconscientes, e, com grande frequência, nos pune – com autossabotagem, ansiedade ou, simplesmente, sentimentos de culpa. Ou seja, temos um algoz implacável dentro de nós! (É claro que muitos não possuem um superego muito rígido, ou não têm superego algum, e acabam fazendo carreira na política.)
Na trama típica dos filmes hitchcockianos, o falso culpado, embora esteja involuntariamente envolvido em uma situação extraordinária – assassinatos em série, espionagem internacional –, não tem os poderes de um super-herói, é apenas uma pessoa comum – tem emprego, família, cachorro, contas para pagar etc.  Assim, por ser tão prosaico o personagem, é fácil para o espectador se identificar com ele. A injusta perseguição de que é vítima o personagem remete o espectador às suas próprias angústias e culpas. No final, quando o verdadeiro criminoso é punido e o protagonista, inocentado, o espectador se sente desculpado, redimido, talvez até purificado.
04/12/2010

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