Meu grande
ídolo é o Woody Allen, mas, como cineasta, considero o Hitchcock o maior de
todos os tempos. Vários dos meus filmes favoritos são dele: Um corpo que cai, Janela indiscreta, Psicose,
Frenesi, Os pássaros, Intriga
internacional, A dama oculta,
entre outros. Aliás, Um corpo que cai
é para mim o melhor filme da História do cinema - mas isto é assunto para uma
próxima oportunidade.
O velho
Hitch ficou conhecido como o mestre do
suspense. Sem dúvida nenhuma, a maioria dos seus filmes, especialmente os
melhores, pertence a esse gênero, que ele dominava como ninguém. No entanto, a
tese que vou aqui defender é a de que o tema essencial de sua obra é a culpa.
Assim, alternativamente, ele poderia ser chamado de o mestre da culpa.
Qual é a
trama típica de seus filmes? É cometido um assassinato e um indivíduo é
injustamente acusado de ser o autor do crime. O falso culpado, então, tenta
encontrar o verdadeiro criminoso, ao mesmo tempo em que é perseguido pela
polícia. O final quase sempre é feliz: o protagonista é inocentado, e o
assassino morre ou vai para a cadeia. Intriga
internacional talvez seja o melhor exemplo desse modelo.
Mas a
culpa não estava apenas em seus filmes, estava principalmente em sua alma - não
estou me referindo à sua esposa, Alma Reville Hitchcock. Em entrevistas,
Hitchcock adorava contar uma história de sua infância. Aos quatro ou cinco anos
de idade, ele havia feito alguma pequena travessura e, em função disso, seu
afetuoso pai o mandou a uma delegacia de polícia com um bilhete. O delegado o
leu e, em seguida, trancou o jovem Hitch numa cela por alguns minutos - que
devem ter parecido uma eternidade -, dizendo a ele: “Veja o que se faz com os
meninos maus”. Já adulto, Hitchcock dizia que sentia muito medo de policiais e
que jamais aprendera a dirigir um automóvel para não correr o risco de ser
abordado por um agente da lei. Porém, na sua obra, conseguiu de certa forma se
vingar: em seus filmes, a polícia é em geral incompetente e quase nunca
consegue descobrir quem é o criminoso.
Embora
tenha nascido na Inglaterra, Hitchcock era de uma família católica, tendo sido,
inclusive, educado em uma rigorosa escola de padres jesuítas, que puniam os
maus comportamentos com a palmatória. (Nada melhor do que o catolicismo para
incutir o sentimento de culpa no ser humano!) Em alguns filmes, ele parecia
estar querendo dar o troco também na Igreja. Um exemplo disso está em A tortura do silêncio, no qual um homem
se confessa com um padre, revelando ter matado alguém. Por ironia, o padre é
acusado desse crime, mas não pode entregar o verdadeiro assassino, devido ao
sigilo do sacramento da confissão. Já em Trama
macabra, seu último filme, um bispo é sequestrado em uma catedral no meio
de uma missa que celebrava.
Acredito
que os filmes do Hitchcock sempre foram tão populares porque promovem nos
espectadores o alívio de suas culpas. Vou tentar explicar. A religião nos
ensina que todos somos pecadores. Mal nascemos e já somos acusados do pecado original. Ela nos ensina ainda
que não é necessário que a pessoa faça algo de errado para merecer punição,
basta desejar ou mesmo apenas imaginar. Freud, por sua vez, nos mostrou que as
regras e proibições morais são internalizadas pelo indivíduo e constituem
grande parte de uma estrutura intrapsíquica que ele chamou de superego. Este
está sempre monitorando e julgando nossas ações, pensamentos e desejos, mesmo
os inconscientes, e, com grande frequência, nos pune – com autossabotagem,
ansiedade ou, simplesmente, sentimentos de culpa. Ou seja, temos um algoz
implacável dentro de nós! (É claro que muitos não possuem um superego muito
rígido, ou não têm superego algum, e acabam fazendo carreira na política.)
Na trama
típica dos filmes hitchcockianos, o falso culpado, embora esteja
involuntariamente envolvido em uma situação extraordinária – assassinatos em
série, espionagem internacional –, não tem os poderes de um super-herói, é
apenas uma pessoa comum – tem emprego, família, cachorro, contas para pagar
etc. Assim, por ser tão prosaico o
personagem, é fácil para o espectador se identificar com ele. A injusta
perseguição de que é vítima o personagem remete o espectador às suas próprias
angústias e culpas. No final, quando o verdadeiro criminoso é punido e o
protagonista, inocentado, o espectador se sente desculpado, redimido, talvez
até purificado.
04/12/2010
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