Quem diria que eu terminaria
meus dias aqui, no corredor da morte, esperando minha execução na cadeira
elétrica? Que ironia! Logo eu, que, como psiquiatra, defendia o uso do
eletrochoque para tratar tudo, até unha encravada. Sinto-me agora como um
típico personagem hitchcockiano, acusado - e condenado - por um crime que não
cometi. Como eu poderia ter matado a minha doce e querida mãezinha?! Justamente
a pessoa que eu mais amava no mundo!
Eu poderia passar horas e
horas falando sobre as suas inúmeras qualidades e sobre a saudade que sinto
dela. Como ela gostava de mim! Como ficou feliz quando nasci! Ela me contava
que, naquele momento, olhou para mim e, cheia de orgulho, disse: “é a minha
cara!”. E, em seguida, completou: “... feio como eu”. Que satisfação me dava ouvir essa história,
que ela adorava repetir!
Na minha infância, muito
atenciosa, ela estava sempre preocupada com a minha educação, constantemente
tentando corrigir meu comportamento. Se eu fazia alguma coisa, estava errado;
se fazia o contrário, também estava errado; e, se não fazia nada, mais errado
ainda.
Eu admirava muito a sua
inteligência e capacidade de comunicação. De fato, ela não parava de falar. Se
faziam uma pergunta ao meu pai, ela respondia; se faziam uma pergunta a mim,
ela respondia; e, se perguntavam algo a ela – acreditem -, ela respondia também
– embora muitas vezes sua resposta não tivesse nada a ver com a pergunta. Vez
por outra, ela comentava que eu e meu pai éramos muito calados. Mas por que
iríamos dizer algo se tínhamos a oportunidade de ouvir seus maravilhosos e
inesquecíveis comentários?! Seus maravilhosos e inesquecíveis comentários
sobre... sobre... Essas lembranças me emocionam tanto que não consigo lembrar
agora sobre o que exatamente ela falava.
Ela constantemente
expressava o seu amor maternal. Jamais me esquecerei da cartinha que escreveu
para mim, já adulto. Ela começava dizendo que me adorava e, na sequência,
listava 117 graves defeitos que eu tinha e precisava corrigir. Guardo até hoje
essa carta comigo e, sempre que posso, a releio para melhorar a minha
autoestima.
Embora ela fosse uma pessoa
adorável, é verdade que era um pouco “nervosa”. De vez em quando elevava um
pouco a voz em conversas serenas com o meu pai – acho que sobre a decoração da
casa ou sobre os filmes do Bergman -, e a polícia era chamada pelos vizinhos.
Não posso negar que ela teve desentendimentos sérios com algumas poucas
pessoas: além do seu marido, seu irmão, sua sobrinha, todos os vizinhos do
prédio e metade da torcida do Flamengo. Preocupado com o seu “temperamento
forte”, pedi a quatro colegas meus que a atendessem. Um largou a psiquiatria,
outro cometeu suicídio e os outros dois não falam mais comigo. O que largou a
psiquiatria tornou-se padre e, hoje em dia, pratica o exorcismo.
O esbarrão que dei nela,
justamente no momento em que o trem do metrô estava para passar, foi, sem
dúvida alguma, acidental. Como o júri pôde acreditar nas imagens das câmeras de
segurança?! Como disse Nelson Rodrigues – numa antiga mesa-redonda sobre
futebol na TV -, o videotape é burro.
A propósito, os meus 117 colegas de cela aproveitam para declarar que são
inocentes também.
24/02/2011
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