segunda-feira, 8 de agosto de 2011

MATRICÍDIO





Quem diria que eu terminaria meus dias aqui, no corredor da morte, esperando minha execução na cadeira elétrica? Que ironia! Logo eu, que, como psiquiatra, defendia o uso do eletrochoque para tratar tudo, até unha encravada. Sinto-me agora como um típico personagem hitchcockiano, acusado - e condenado - por um crime que não cometi. Como eu poderia ter matado a minha doce e querida mãezinha?! Justamente a pessoa que eu mais amava no mundo!
Eu poderia passar horas e horas falando sobre as suas inúmeras qualidades e sobre a saudade que sinto dela. Como ela gostava de mim! Como ficou feliz quando nasci! Ela me contava que, naquele momento, olhou para mim e, cheia de orgulho, disse: “é a minha cara!”. E, em seguida, completou: “... feio como eu”.  Que satisfação me dava ouvir essa história, que ela adorava repetir!
Na minha infância, muito atenciosa, ela estava sempre preocupada com a minha educação, constantemente tentando corrigir meu comportamento. Se eu fazia alguma coisa, estava errado; se fazia o contrário, também estava errado; e, se não fazia nada, mais errado ainda.
Eu admirava muito a sua inteligência e capacidade de comunicação. De fato, ela não parava de falar. Se faziam uma pergunta ao meu pai, ela respondia; se faziam uma pergunta a mim, ela respondia; e, se perguntavam algo a ela – acreditem -, ela respondia também – embora muitas vezes sua resposta não tivesse nada a ver com a pergunta. Vez por outra, ela comentava que eu e meu pai éramos muito calados. Mas por que iríamos dizer algo se tínhamos a oportunidade de ouvir seus maravilhosos e inesquecíveis comentários?! Seus maravilhosos e inesquecíveis comentários sobre... sobre... Essas lembranças me emocionam tanto que não consigo lembrar agora sobre o que exatamente ela falava.
Ela constantemente expressava o seu amor maternal. Jamais me esquecerei da cartinha que escreveu para mim, já adulto. Ela começava dizendo que me adorava e, na sequência, listava 117 graves defeitos que eu tinha e precisava corrigir. Guardo até hoje essa carta comigo e, sempre que posso, a releio para melhorar a minha autoestima.
Embora ela fosse uma pessoa adorável, é verdade que era um pouco “nervosa”. De vez em quando elevava um pouco a voz em conversas serenas com o meu pai – acho que sobre a decoração da casa ou sobre os filmes do Bergman -, e a polícia era chamada pelos vizinhos. Não posso negar que ela teve desentendimentos sérios com algumas poucas pessoas: além do seu marido, seu irmão, sua sobrinha, todos os vizinhos do prédio e metade da torcida do Flamengo. Preocupado com o seu “temperamento forte”, pedi a quatro colegas meus que a atendessem. Um largou a psiquiatria, outro cometeu suicídio e os outros dois não falam mais comigo. O que largou a psiquiatria tornou-se padre e, hoje em dia, pratica o exorcismo.
O esbarrão que dei nela, justamente no momento em que o trem do metrô estava para passar, foi, sem dúvida alguma, acidental. Como o júri pôde acreditar nas imagens das câmeras de segurança?! Como disse Nelson Rodrigues – numa antiga mesa-redonda sobre futebol na TV -, o videotape é burro. A propósito, os meus 117 colegas de cela aproveitam para declarar que são inocentes também.

24/02/2011


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