segunda-feira, 8 de agosto de 2011

ENFIM, CURADO





Minha querida amiga Marta,
Escrevo-lhe para lhe fazer um grande agradecimento. Pensei muito na última conversa que tivemos e decidi seguir seus valiosos conselhos: aprender dança de salão e me submeter à TCC[1]. Comecei ambos há apenas duas semanas e, acredite, já estou completamente curado da minha neurose. Muito obrigado! (O bom de o termo neurose ter saído das classificações psiquiátricas é podermos nos dizer neuróticos e continuarmos negando que somos loucos, malucos ou pirados.)
Para ser mais exato, a dança de salão ainda não deu muito resultado. Esse insucesso temporário se deveu a um mero acaso, e não à minha total falta de coordenação motora. As aulas tiveram que ser prematuramente interrompidas, devido ao inesperado suicídio do meu professor. Nunca me esquecerei da última aula com o saudoso mestre, na véspera de sua morte. Naquele dia, ele, que sempre tentava me incentivar, alterou um pouco sua didática e fingiu estar zangado comigo, gritando: “Se você não acertar essa p... pelo menos uma vez na vida, mato você ou dou um tiro na minha cabeça!”. Tenho plena convicção de que não tive nenhuma culpa por essa terrível tragédia, embora o seu bilhete-suicida tenha citado o meu nome 117 vezes.
Depois de quinze anos ininterruptos de psicanálise, sem solução para o meu caso, encontrei finalmente a salvação na TCC. Quando meus colegas da sociedade psicanalítica souberam dessa minha nova iniciativa, chamaram-me para uma reunião. Durante a conversa, eles tentaram sutilmente me dissuadir de fazer TCC, quebrando-me o nariz, quatro dentes e duas costelas. Mas não ficaram só nisso. Recomendaram que eu fizesse mais alguns anos de análise, o que seria a melhor maneira de vencer minha resistência contra a análise. E ainda me obrigaram a jurar com a mão sobre as obras completas de Sigmund Freud que jamais abandonaria a psicanálise. Porém os enganei, pois, em vez da nossa bíblia, eram os seminários de Lacan que eu segurava.
Apesar de todos os percalços, iniciei a Terapia Cristã Cardecista. (A TCC de que você falou é esta, não é?) A princípio, achei um pouco estranho “kardecista” com C, mas, como confio plenamente nos seus conselhos, segui em frente. Então voltei a acreditar em Deus e passei a ver um sentido em tudo na vida, inclusive no Holocausto, na epidemia da AIDS, no terremoto do Haiti e na escolha do Dunga para técnico da nossa seleção na Copa. Atualmente vejo gente morta todo dia e estou sempre conversando com espíritos. Ou seja, a minha saúde mental nunca esteve tão boa!


02/12/2010



[1] Sigla em geral utilizada para designar Terapia Cognitivo-Comportamental.


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