Minha querida amiga Marta,
Escrevo-lhe para lhe fazer
um grande agradecimento. Pensei muito na última conversa que tivemos e decidi
seguir seus valiosos conselhos: aprender dança de salão e me submeter à TCC[1].
Comecei ambos há apenas duas semanas e, acredite, já estou completamente curado
da minha neurose. Muito obrigado! (O bom de o termo neurose ter saído das classificações psiquiátricas é podermos nos
dizer neuróticos e continuarmos negando que somos loucos, malucos ou pirados.)
Para ser mais exato, a dança
de salão ainda não deu muito resultado. Esse insucesso temporário se deveu a um
mero acaso, e não à minha total falta de coordenação motora. As aulas tiveram
que ser prematuramente interrompidas, devido ao inesperado suicídio do meu
professor. Nunca me esquecerei da última aula com o saudoso mestre, na véspera
de sua morte. Naquele dia, ele, que sempre tentava me incentivar, alterou um
pouco sua didática e fingiu estar zangado comigo, gritando: “Se você não
acertar essa p... pelo menos uma vez na vida, mato você ou dou um tiro na minha
cabeça!”. Tenho plena convicção de que não tive nenhuma culpa por essa terrível
tragédia, embora o seu bilhete-suicida tenha citado o meu nome 117 vezes.
Depois de quinze anos
ininterruptos de psicanálise, sem solução para o meu caso, encontrei finalmente
a salvação na TCC. Quando meus colegas da sociedade psicanalítica souberam
dessa minha nova iniciativa, chamaram-me para uma reunião. Durante a conversa,
eles tentaram sutilmente me dissuadir de fazer TCC, quebrando-me o nariz,
quatro dentes e duas costelas. Mas não ficaram só nisso. Recomendaram que eu
fizesse mais alguns anos de análise, o que seria a melhor maneira de vencer
minha resistência contra a análise. E ainda me obrigaram a jurar com a mão
sobre as obras completas de Sigmund Freud que jamais abandonaria a psicanálise.
Porém os enganei, pois, em vez da nossa bíblia, eram os seminários de Lacan que
eu segurava.
Apesar de todos os
percalços, iniciei a Terapia Cristã Cardecista. (A TCC de que você falou é
esta, não é?) A princípio, achei um pouco estranho “kardecista” com C, mas,
como confio plenamente nos seus conselhos, segui em frente. Então voltei
a acreditar em Deus e passei a ver um sentido em tudo na vida, inclusive no
Holocausto, na epidemia da AIDS, no terremoto do Haiti e na escolha do Dunga
para técnico da nossa seleção na Copa. Atualmente vejo gente morta todo dia e
estou sempre conversando com espíritos. Ou seja, a minha saúde mental nunca
esteve tão boa!
02/12/2010
Nenhum comentário:
Postar um comentário