Chegou a fatura da operadora
de TV por assinatura, e nela havia a cobrança indevida de um pay-per-view, no valor de quinze reais.
Telefonei para reclamar. Informei à atendente que não havia solicitado nenhum pay-per-view e pedi a devolução do
dinheiro. No entanto, a moça afirmou que constava no sistema que eu havia, sim,
feito tal assinatura e que, acrescentou, era de um canal adulto. A princípio,
não entendi bem. Para mim, todos os canais da grade de programação, com exceção
do Cartoon Network, do Boomerang, do Discovery Kids e da Nickelodeon,
eram canais adultos. Mas aí, para a minha surpresa, ela me explicou que canal
adulto era canal de... sexo.
Então garanti a ela que era
impossível eu ter solicitado esse pay-per-view,
porque – argumentei - na minha religião filmes de sacanagem são coisa do
Demônio, e eu não queria arder eternamente no fogo do Inferno. Por 117 vezes
neguei ter feito a assinatura, e, para o meu desespero, por 117 vezes a mulher
reafirmou que o sistema dizia o contrário. Entre mim e o sistema, ela
acreditava... no sistema. Como pode uma coisa dessas?! O sistema é infalível?
Se o sistema disser que sou pedófilo, assassino serial, neonazista,
botafoguense ou amigo do general Waldick – meu adorável vizinho do 505 -, então
passa a ser verdade?! Senti-me novamente como um típico personagem
hitchcockiano, acusado de um crime que não cometera. Como poderia provar a
minha inocência se o sistema teimava em ficar contra mim?!
Depois de meia hora de
caloroso debate entre mim, a adorável atendente e seu igualmente adorável
supervisor - que só não me chamaram de tarado, pão-duro e mentiroso porque a
conversa estava sendo gravada –, a história teve um fim. Para resumir,
verificaram que a data da compra do pay-per-view
era anterior à da instalação do aparelho na minha residência e me informaram
que, na próxima fatura, me seriam restituídos os quinze reais.
Se fiquei feliz com a
devolução do dinheiro? Claro que não! Para mim, muito mais importante do que a
restituição dos quinze reais seria ter recebido um pedido de desculpas, o que
não aconteceu – e, com certeza, jamais acontecerá. Por que desculpas? Pode
parecer ingênuo, ridículo ou tolo, mas, quando fiz a ligação telefônica,
esperava sinceramente que, mesmo sem me conhecerem, acreditassem em mim. Esqueceram-se
da máxima que diz que o freguês tem sempre razão? Senti-me extremamente
ofendido por acharem que eu estava mentindo, usando meu precioso tempo para
tentar roubar a fortuna de quinze reais de uma grande corporação.
Mas, pensando bem, talvez
eles estivessem certos. Vivemos num mundo em que mentir é a regra. Levar
vantagem em tudo – a lei de Gerson -
é a regra. É preciso estar o tempo todo em alerta, desconfiar de tudo e de
todos, pois sempre haverá alguém querendo nos passar a perna ou nos apunhalar
pelas costas. Por que afinal deveriam acreditar em mim?
Desde muito cedo, somos
impiedosamente enganados. Quando crianças, nos fazem acreditar no Papai Noel,
no bicho-papão, no coelhinho da Páscoa e na Fada dos Dentes, além do Papai do
Céu, é claro. Logo depois, nos convencem de que existem no mundo coisas tão
improváveis quanto a bondade humana, felicidade, amor eterno e democracia.
E passamos a vida inteira
ouvindo as mais estapafúrdias mentiras: o Maluf nunca teve conta no exterior; o
Collor era inocente; havia armas de destruição em massa no Iraque; o Holocausto
nunca aconteceu; o Sport foi campeão brasileiro em 87. E todos esses mentirosos
acabam invariavelmente se dando muito bem! Pois é, vivemos num mundo em que
acreditar na palavra dos outros é ser otário. Pior, vivemos num mundo em que
dizer a verdade é estupidez.
Se sou hipócrita? Um falso
moralista, que mente igual a todo o mundo? É, talvez você tenha razão. Sabe
aquela vez em que eu disse que você estava mais magra? Pode ser que eu não
estivesse sendo exatamente fiel à verdade... Satisfeita agora? Mas o canal
adulto - juro por Deus! - eu não assinei.
13/08/2011
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