segunda-feira, 15 de agosto de 2011

CANAL ADULTO





Chegou a fatura da operadora de TV por assinatura, e nela havia a cobrança indevida de um pay-per-view, no valor de quinze reais. Telefonei para reclamar. Informei à atendente que não havia solicitado nenhum pay-per-view e pedi a devolução do dinheiro. No entanto, a moça afirmou que constava no sistema que eu havia, sim, feito tal assinatura e que, acrescentou, era de um canal adulto. A princípio, não entendi bem. Para mim, todos os canais da grade de programação, com exceção do Cartoon Network, do Boomerang, do Discovery Kids e da Nickelodeon, eram canais adultos. Mas aí, para a minha surpresa, ela me explicou que canal adulto era canal de... sexo.
Então garanti a ela que era impossível eu ter solicitado esse pay-per-view, porque – argumentei - na minha religião filmes de sacanagem são coisa do Demônio, e eu não queria arder eternamente no fogo do Inferno. Por 117 vezes neguei ter feito a assinatura, e, para o meu desespero, por 117 vezes a mulher reafirmou que o sistema dizia o contrário. Entre mim e o sistema, ela acreditava... no sistema. Como pode uma coisa dessas?! O sistema é infalível? Se o sistema disser que sou pedófilo, assassino serial, neonazista, botafoguense ou amigo do general Waldick – meu adorável vizinho do 505 -, então passa a ser verdade?! Senti-me novamente como um típico personagem hitchcockiano, acusado de um crime que não cometera. Como poderia provar a minha inocência se o sistema teimava em ficar contra mim?!
Depois de meia hora de caloroso debate entre mim, a adorável atendente e seu igualmente adorável supervisor - que só não me chamaram de tarado, pão-duro e mentiroso porque a conversa estava sendo gravada –, a história teve um fim. Para resumir, verificaram que a data da compra do pay-per-view era anterior à da instalação do aparelho na minha residência e me informaram que, na próxima fatura, me seriam restituídos os quinze reais.
Se fiquei feliz com a devolução do dinheiro? Claro que não! Para mim, muito mais importante do que a restituição dos quinze reais seria ter recebido um pedido de desculpas, o que não aconteceu – e, com certeza, jamais acontecerá. Por que desculpas? Pode parecer ingênuo, ridículo ou tolo, mas, quando fiz a ligação telefônica, esperava sinceramente que, mesmo sem me conhecerem, acreditassem em mim. Esqueceram-se da máxima que diz que o freguês tem sempre razão? Senti-me extremamente ofendido por acharem que eu estava mentindo, usando meu precioso tempo para tentar roubar a fortuna de quinze reais de uma grande corporação.
Mas, pensando bem, talvez eles estivessem certos. Vivemos num mundo em que mentir é a regra. Levar vantagem em tudo – a lei de Gerson - é a regra. É preciso estar o tempo todo em alerta, desconfiar de tudo e de todos, pois sempre haverá alguém querendo nos passar a perna ou nos apunhalar pelas costas. Por que afinal deveriam acreditar em mim?
Desde muito cedo, somos impiedosamente enganados. Quando crianças, nos fazem acreditar no Papai Noel, no bicho-papão, no coelhinho da Páscoa e na Fada dos Dentes, além do Papai do Céu, é claro. Logo depois, nos convencem de que existem no mundo coisas tão improváveis quanto a bondade humana, felicidade, amor eterno e democracia.
E passamos a vida inteira ouvindo as mais estapafúrdias mentiras: o Maluf nunca teve conta no exterior; o Collor era inocente; havia armas de destruição em massa no Iraque; o Holocausto nunca aconteceu; o Sport foi campeão brasileiro em 87. E todos esses mentirosos acabam invariavelmente se dando muito bem! Pois é, vivemos num mundo em que acreditar na palavra dos outros é ser otário. Pior, vivemos num mundo em que dizer a verdade é estupidez.
Se sou hipócrita? Um falso moralista, que mente igual a todo o mundo? É, talvez você tenha razão. Sabe aquela vez em que eu disse que você estava mais magra? Pode ser que eu não estivesse sendo exatamente fiel à verdade... Satisfeita agora? Mas o canal adulto - juro por Deus! - eu não assinei.
13/08/2011


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