terça-feira, 15 de novembro de 2011

MEU GOSTO PELO ENSINO

 



Vários amigos – especialmente aqueles dois ou três que me acham um bom professor - me perguntam quando começou meu gosto pelo ensino. Na verdade, diferentemente do que muitos pensam, não foi durante o meu primeiro ano de residência médica, quando o professor Paulo Pavão me convidou para ministrar aulas de psicopatologia para os internos da psiquiatria da UERJ. Não, minha vontade de ensinar começou bem mais precocemente.
Começou quando eu tinha uns dezesseis anos e ainda cursava o segundo grau. Na época, eu era apaixonado por uma colega de turma chamada Deise. Eu a achava lindíssima e muito parecida com a Brooke Shields, por quem eu também era apaixonado e que aparecia seminua no filme A lagoa azul, grande sucesso entre os adolescentes de então. Volta e meia Deise, toda sedutora, aproximava-se de mim e dizia “me explica”, pedindo para eu lhe tirar as dúvidas das matérias do colégio. O modo como ela falava “me explica” era irresistível! Quem era eu para dizer não à Brooke Shields?! Claro que o meu raciocínio era o seguinte: eu daria a ela conhecimento e, em troca, receberia... sexo. Exatamente nesse momento, nasceu meu gosto pelo ensino. Pensando bem, na verdade o meu gosto pelo ensino era para ter morrido ali, pois não ganhei um beijinho sequer. Em contrapartida, burrinha que só ela, Deise também não conseguia entender quase nada do que eu lhe explicava. Contudo, ela acabou passando de ano, pois, além de ter um grande talento para a sedução, ela também era muito boa em colar nas provas. Colava não só de mim, mas também de outros rapazes, tão ingênuos quanto eu.
Revendo as fotos do colégio, percebo agora que Deise não era tão bonita e não se parecia em nada com a Brooke Shields, a qual, por sua vez, não chega aos pés da Scarlett Johansson, minha musa atual. Mas meus olhos adolescentes viam toda a beleza do mundo e toda a esperança de felicidade em Deise – e na Brooke Shields também.
Por onde andará Deise? Casou-se com um milionário? Seguiu seu talento natural e virou garota de programa? Desistiu da vida e se mudou para Portugal? Não faço a menor ideia. Eu é que, pelo menos metaforicamente, me vejo no mesmo lugar.
Sim, no mesmo lugar, pois, na carreira acadêmica, continuo explicando as coisas, na esperança de receber das outras pessoas algo valioso em troca. Não mais sexo, mas, agora, atenção e afeto. Em que outra situação na vida que não quando estou fazendo uma palestra ou ministrando uma aula tantas pessoas ficariam tanto tempo ouvindo o que tenho a dizer? Minha ex-analista, reconheço, me escutou por quinze anos... mas somente porque eu pagava uma fortuna a ela.
Encontro-me no mesmo lugar também porque continuo a me apaixonar a torto e a direito. Um pouquinho de atenção ou um simples sorriso já me fazem ver toda a beleza do mundo e toda a esperança de felicidade no outro. Pois é, já não tenho mais muito cabelo, preciso de óculos para ler e sinto dores na coluna lombar, no entanto continuo a ter dezesseis anos.
15/11/2011



domingo, 13 de novembro de 2011

MINHA QUEDA POR "UM CORPO QUE CAI"





Ao longo de minha vida, apaixonei-me por diversas mulheres – entre elas, a Scarlett Johansson -, por um livro – Dom Casmurro, de Machado de Assis -, por uma canção – Chovendo na roseira, de Tom Jobim -, por um time de futebol – nem preciso dizer qual – e por um filme.
Um corpo que cai (Vertigo, no original) é o meu filme favorito. Para começo de conversa, é dirigido por Alfred Hitchcock, meu cineasta preferido. Mas não o considero apenas o melhor filme do velho Hitch. Um corpo que cai, para mim, é o melhor filme de todos os tempos.
Assistir a Um corpo que cai pela primeira vez foi um momento mágico, inesquecível. Isso foi em 1984 e tinha eu uns dezenove anos. Já era fã do Hitchcock e já tinha assistido a Psicose, Intriga internacional, Os pássaros, Janela Indiscreta, entre muitos outros. Não imaginava, então, que o mestre do suspense pudesse ter feito algo ainda melhor. Mas fez. O filme estava passando no antigo cinema Veneza, em Botafogo, que não existe mais. Fui com meu amigo de adolescência Heraldo, meu amigo até hoje. Lembro-me de que saí do cinema extasiado, inebriado, como se estivesse ainda dentro de um sonho. Preferi retornar para casa a pé, embora tivesse que andar uma boa distância – e ainda atravessar um túnel -, para que a transição de volta para o árido e cruel mundo real pudesse ser mais lenta e, assim, menos brutal.
Quando Um corpo que cai foi lançado, em 1958, não fez muito sucesso, nem de crítica nem de bilheteria. Todavia, décadas depois, é figurinha fácil nas listas dos dez maiores filmes de todos os tempos. O que tem de tão especial nesse filme? Não sei explicar bem, para mim é algo muito pessoal. Não importa quantas vezes eu o tenha visto - pelo menos uma dúzia até agora -, sempre fico emocionado quando o revejo. Recentemente, eu estava participando de uma mesa-redonda, sobre cinema e saúde mental, quando uma colega, em sua apresentação, exibiu em vídeo a cena do suposto suicídio da suposta Madeleine (Kim Novak), supostamente saltando do alto da torre na antiga aldeia espanhola. Ainda bem que as luzes estavam apagadas e ninguém percebeu meus olhos marejados – eu suponho.
Mais do que um filme de suspense ou de mistério, Um corpo que cai é uma história de amor. Foi impossível para mim – e, penso eu, para qualquer espectador – não me apaixonar por Kim Novak e não me identificar com o voyeurismo de Scottie (James Stewart). Claro que o amor de Scottie por Madeleine é patológico, doentio e triste. Ele se apaixona por alguém que não existe, Madeleine, e se recusa a gostar da mulher real, Judy (também Kim Novak). E, além disso, tenta transformar a mulher real na idealizada, dando uma de Pigmalião, que, na mitologia grega, esculpiu a mulher perfeita e ainda se casou com ela.
A mensagem pessimista é que talvez toda paixão amorosa seja assim, um estado psicótico em que projetamos no outro somente coisas boas. Depois nos casamos com o ser amado e logo descobrimos que nada daquilo era real. Será que Pigmalião pediu a Afrodite que transformasse Galateia de novo em estátua, porque esta não parava de falar? Será que Pigmalião e Galateia acabaram se divorciando? Será que eu enjoaria da Scarlett Johansson?
A mensagem otimista é que Kim Novak era linda, Hitchcock era um gênio e Um corpo que cai será sempre um grande filme!
13/11/2011

sábado, 5 de novembro de 2011

MEUS SEGREDOS






Até recentemente, havia quatro coisas terríveis sobre mim, que eu não contava para ninguém. No entanto, agora que minha terceira ex-esposa, dando uma de Mia Farrow, acaba de publicar um livro em que revela todos os meus segredos mais íntimos e inconfessáveis, não tenho mais nada a esconder.
Um desses segredos é que tenho “Júnior” no nome. Nos últimos anos, tento tentado escondê-lo, assinando meus escritos simplesmente como “Elie Cheniaux”. Porém volta e meia ele reaparece impresso ao lado do meu nome, sem o meu consentimento, em um crachá de congresso ou no programa de algum evento científico, por exemplo. Aí reclamo, dou chilique, ameaço não aparecer para a minha apresentação, mas com frequência é tarde demais para se fazer a correção. Já aconteceu de alguém que me conhecia de nome, como “Elie Cheniaux”, vendo o “Júnior”, achar que eu não era eu, mas sim o filho de mim mesmo. Por que implico com o meu “Júnior”? Não deveria, pois com este nome ficou conhecido o Leovegildo Lins Gama Júnior, um dos maiores jogadores da História do Flamengo e aquele que mais vezes vestiu o Manto Sagrado. Além disso, é assim que minha doce e querida mãezinha me chama... Ah! Agora descobri por que não gosto do “Júnior”!
Outra coisa que sempre tentei omitir é que nasci em Niterói. Isto só aconteceu porque minha doce e querida mãezinha, que já morava com meu pai aqui na cidade mais linda do mundo – o Rio de Janeiro, é claro! –, cismou de me parir do outro lado da Baía de Guanabara, privando-me, assim, do orgulho de poder dizer que sou carioca. Fui para Niterói só para nascer, pois nunca morei num lugar diferente de Copacabana. Mas não vou ser totalmente ingrato com a minha cidade natal, pela qual sempre tive um grande carinho. Foi lá, especialmente na minha infância, que convivi com a minha avó materna, a pessoa que foi mais maternal comigo em toda a minha vida, e com o meu primo, o irmão que nunca tive. Além disso, Niterói tem uma belíssima vista – para o Rio, é claro!
 Outro segredo guardado a sete chaves é que sou tímido. ‘Tá bom, este segredo não é muito secreto, pois todas as pessoas que me conhecem e a torcida do Flamengo inteira sabem disso. A princípio, eu não sabia que era tímido, mas, com tanta gente me dizendo, passei a suspeitar que fosse verdade. E, mesmo depois de me convencer desse fato, eu continuava a negar, pois tinha vergonha da minha timidez. Mas, ao contrário do que falam, não se trata de um defeito; por sinal, é mais uma entre as 117 características que compartilho com o Chico Buarque. Sim, como todos sabem, temos uma enormidade de coisas em comum: moramos na zona sul do Rio, gostamos de futebol, torcemos por times cujas primeiras letras são F e L, amamos escrever, entre muitas outras – não vou citar todas para não cansá-los. Vivem me confundindo com ele na rua e ainda me pedem autógrafo!
Por fim, eu nunca havia contado a ninguém que não sabia dar nó em gravata. Sem dúvida uma vergonha para um homem com mais de quarenta anos na cara! Mas como, se há fotos em que eu apareço engravatado?! Montagem? Não, era meu pai quem dava o nó para mim. Agora que ele não está mais aqui, tive que me virar sozinho e, na semana passada, finalmente aprendi. Quem me ensinou foi meu amigo de adolescência e eterno amigo Fernando Augusto - boa gente, embora seja tricolor. Por algum motivo, ele me pediu que revelasse o nome dele. Ele quer passar para a História como o homem que ensinou o Elie Cheniaux a dar nó em gravata! Isso faz algum sentido? Será que imagina que milhões de pessoas vão ler esta crônica no blog ou vão comprar o meu livro e, assim, ele vai ficar mundialmente famoso?! Bom, quem sabe? Mas o importante é que estou me sentindo radiante! Agora consigo fazer algo que, em função de minha total falta de coordenação motora, parecia impossível para mim. Se eu fosse psicanalista – e, por acaso, eu sou -, diria que a gravata é um símbolo fálico e que estou me sentindo muito mais potente. Pode ser que Freud esteja certo. Agora você não me escapa, Scarlett Johansson! Imaginem só como vou me sentir quanto aprender a amarrar os sapatos!


02/11/2011