CULTOR
DA LÍNGUA[1]
Comumente as pessoas se
sentem desconfortáveis quando, mesmo em situações sociais, estão perto de
profissionais, como eu, da área psi,
isto é, psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, psicoterapeutas ou
piscicultores. Elas ficam com medo de serem “analisadas”. Como “de perto
ninguém é normal” - já dizia Caetano -, elas temem que possamos descobrir suas
neuroses, maluquices ou até seus mais íntimos segredos. Mas fiquem tranquilos, pois não temos o poder
da adivinhação e não ficamos “analisando” ninguém de graça. ‘Tá bom, confesso
que faço isso um pouquinho. Afinal, temos que nos proteger da loucura alheia,
nem um pouco escassa neste mundo. No entanto, o que mais incomoda as pessoas no
meu comportamento é outra coisa.
O que realmente não suportam
em mim é a mania que tenho de corrigir o português dos outros. Procuro e aponto
erros em literalmente tudo que falam ou escrevem para mim. Nem o que postam no
Facebook escapa do meu crivo. Não perdoo sequer as mensagens de texto de
celular.
Para início de conversa,
tenho uma especial implicância com pleonasmos. As pessoas adoram subir para
cima, descer para baixo, entrar para dentro, sair para fora, acrescentar algo a
mais, encarar de frente, conviver junto, dar outra alternativa e contar fatos
reais - e repetem tudo isso novamente, como já faziam há muito tempo atrás.
Como isso me irrita! Extrapola o meu teto máximo de paciência! Por que essas
pessoas – para usar outro pleonasmo, este, porém, aceito pelos dicionários –
não se suicidam?!
E quando falam, por exemplo,
“pediram para eu vim aqui”? Não dá
vontade de matar o cidadão?! Ou pedir para ele ir para aquele lugar?! E quando dizem “não sei onde está o meu óculos”? Por que não vão procurá-los
naquele lugar?! E o gerundismo? Até
quando vamos estar aguentando isso?!
Sei que as pessoas não
gostam que eu lhes corrija o português, porém não consigo me controlar. Tento
resistir, pois essa minha conduta só me traz problemas, mas, como disse o
escorpião para o sapo na fábula, é a minha natureza. Meus últimos três
divórcios foram por causa disso, e todas as ex-esposas alegaram crueldade
mental da minha parte. Numa carta de amor que recebi na semana passada,
consegui encontrar 117 erros de português. Solicitamente, enviei as 117
correções para a minha amada, que - ingrata que só ela - deixou de me amar
naquele mesmo dia. Todos os meus amigos se afastaram de mim. Nas raras festas
para as quais ainda me convidam, todos se calam quando me aproximo. Até meu
cachorro parou de latir, com medo de que eu reclamasse que ele estava latindo
errado.
Agora que o Ministério da
Educação acaba de aprovar um livro que afirma que é preconceito condenar frases
como “nós pega o peixe” – aqui voltando à piscicultura -, descobri que quem
está errado... sou eu.
18/07/2011
[1] O título foi roubado de uma expressão
que ouvi do grande prof. Miguel Chalub, referindo-se, com grande justiça, a si
próprio.
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