segunda-feira, 15 de agosto de 2011

CANAL ADULTO





Chegou a fatura da operadora de TV por assinatura, e nela havia a cobrança indevida de um pay-per-view, no valor de quinze reais. Telefonei para reclamar. Informei à atendente que não havia solicitado nenhum pay-per-view e pedi a devolução do dinheiro. No entanto, a moça afirmou que constava no sistema que eu havia, sim, feito tal assinatura e que, acrescentou, era de um canal adulto. A princípio, não entendi bem. Para mim, todos os canais da grade de programação, com exceção do Cartoon Network, do Boomerang, do Discovery Kids e da Nickelodeon, eram canais adultos. Mas aí, para a minha surpresa, ela me explicou que canal adulto era canal de... sexo.
Então garanti a ela que era impossível eu ter solicitado esse pay-per-view, porque – argumentei - na minha religião filmes de sacanagem são coisa do Demônio, e eu não queria arder eternamente no fogo do Inferno. Por 117 vezes neguei ter feito a assinatura, e, para o meu desespero, por 117 vezes a mulher reafirmou que o sistema dizia o contrário. Entre mim e o sistema, ela acreditava... no sistema. Como pode uma coisa dessas?! O sistema é infalível? Se o sistema disser que sou pedófilo, assassino serial, neonazista, botafoguense ou amigo do general Waldick – meu adorável vizinho do 505 -, então passa a ser verdade?! Senti-me novamente como um típico personagem hitchcockiano, acusado de um crime que não cometera. Como poderia provar a minha inocência se o sistema teimava em ficar contra mim?!
Depois de meia hora de caloroso debate entre mim, a adorável atendente e seu igualmente adorável supervisor - que só não me chamaram de tarado, pão-duro e mentiroso porque a conversa estava sendo gravada –, a história teve um fim. Para resumir, verificaram que a data da compra do pay-per-view era anterior à da instalação do aparelho na minha residência e me informaram que, na próxima fatura, me seriam restituídos os quinze reais.
Se fiquei feliz com a devolução do dinheiro? Claro que não! Para mim, muito mais importante do que a restituição dos quinze reais seria ter recebido um pedido de desculpas, o que não aconteceu – e, com certeza, jamais acontecerá. Por que desculpas? Pode parecer ingênuo, ridículo ou tolo, mas, quando fiz a ligação telefônica, esperava sinceramente que, mesmo sem me conhecerem, acreditassem em mim. Esqueceram-se da máxima que diz que o freguês tem sempre razão? Senti-me extremamente ofendido por acharem que eu estava mentindo, usando meu precioso tempo para tentar roubar a fortuna de quinze reais de uma grande corporação.
Mas, pensando bem, talvez eles estivessem certos. Vivemos num mundo em que mentir é a regra. Levar vantagem em tudo – a lei de Gerson - é a regra. É preciso estar o tempo todo em alerta, desconfiar de tudo e de todos, pois sempre haverá alguém querendo nos passar a perna ou nos apunhalar pelas costas. Por que afinal deveriam acreditar em mim?
Desde muito cedo, somos impiedosamente enganados. Quando crianças, nos fazem acreditar no Papai Noel, no bicho-papão, no coelhinho da Páscoa e na Fada dos Dentes, além do Papai do Céu, é claro. Logo depois, nos convencem de que existem no mundo coisas tão improváveis quanto a bondade humana, felicidade, amor eterno e democracia.
E passamos a vida inteira ouvindo as mais estapafúrdias mentiras: o Maluf nunca teve conta no exterior; o Collor era inocente; havia armas de destruição em massa no Iraque; o Holocausto nunca aconteceu; o Sport foi campeão brasileiro em 87. E todos esses mentirosos acabam invariavelmente se dando muito bem! Pois é, vivemos num mundo em que acreditar na palavra dos outros é ser otário. Pior, vivemos num mundo em que dizer a verdade é estupidez.
Se sou hipócrita? Um falso moralista, que mente igual a todo o mundo? É, talvez você tenha razão. Sabe aquela vez em que eu disse que você estava mais magra? Pode ser que eu não estivesse sendo exatamente fiel à verdade... Satisfeita agora? Mas o canal adulto - juro por Deus! - eu não assinei.
13/08/2011


segunda-feira, 8 de agosto de 2011

DA MAIS COMPLETA DESOLAÇÃO AO ÊXTASE TOTAL





Recentemente, após o falecimento do meu pai, recebi a solidariedade de vários amigos. Ouvi muitas palavras de conforto, como, por exemplo, “ele agora vai poder descansar”, “... não vai mais sofrer” e, principalmente, “... não vai mais ter que aguentar a sua mãe”. E aí, influenciado por esses argumentos e por uma frase do Woody Allen que diz que morrer é uma boa forma de reduzir as despesas, comecei a achar que partir desta para uma melhor seria um ótimo negócio.
Pensei um pouco e concluí que já tinha cumprido minha missão neste mundo. Já tinha um filho – aliás, maravilhoso – e já tinha publicado um livro – aliás, mais de um. Só faltava plantar uma árvore...
Concluí ainda que todos os momentos extraordinários da minha vida já tinham acontecido e que as emoções que eles me proporcionaram jamais se repetiriam. Vi o Mengão aplicar 6 a 0 no Botafogo – a este jogo eu fui -; assisti a Um corpo que cai, do Hitchcock, no agora extinto cine Veneza; ainda adolescente, li Dom Casmurro, de Machado de Assis; estive presente num show do Tom Jobim na praia do Arpoador; peguei o autógrafo do Woody Allen; e fui testemunha dos primeiros passos do meu filho, logo depois de completar um ano de idade, na sala de nosso apartamento.
Mas eis que acontece, na última quarta-feira, o jogo entre Santos e Flamengo, na Vila Belmiro. Aos 25 minutos do primeiro tempo, o time carioca já perdia por 3 a 0. O que podíamos esperar naquele momento? Nada além de dor, desespero e humilhação. Mas, como a toda a humanidade já sabe e comenta, de forma heroica viramos o jogo e vencemos por 5 a 4, com uma atuação espetacular do Ronaldinho. Na hora do quinto gol, quase meia-noite, abri a janela e gritei tanto que devo ter acordado o general Waldick, meu adorável vizinho do 505. Espero que sim. (Não sei por que time ele torce, mas, garanto, Flamengo ele não é.)
Como explicar o que senti naquela noite inesquecível? Tenho que recorrer ao Bruxo do Cosme Velho. Em Brás Cubas, Machado nos mostra como descalçar botas apertadas é um caminho infalível para a felicidade. Pois é, a euforia rubro-negra não teria sido tão gigantesca se o sofrimento prévio não tivesse sido tão descomunal. Eu não teria ficado tão feliz se não estivesse tão triste antes.
E eu, que acreditava que não poderia mais viver momentos tão extraordinários, descobri que estava enganado. Quando terminou o jogo, resolvi fazer o que sempre fazia após as vitórias do Mengão: telefonei para o meu pai para dizer simplesmente “saudações rubro-negras”. Eu sabia que ele não estava mais lá para atender, mas... ser Flamengo é acreditar no impossível!


29/07/2011

CULTOR DA LÍNGUA



CULTOR DA LÍNGUA[1]
Comumente as pessoas se sentem desconfortáveis quando, mesmo em situações sociais, estão perto de profissionais, como eu, da área psi, isto é, psiquiatras, psicólogos, psicanalistas, psicoterapeutas ou piscicultores. Elas ficam com medo de serem “analisadas”. Como “de perto ninguém é normal” - já dizia Caetano -, elas temem que possamos descobrir suas neuroses, maluquices ou até seus mais íntimos segredos.  Mas fiquem tranquilos, pois não temos o poder da adivinhação e não ficamos “analisando” ninguém de graça. ‘Tá bom, confesso que faço isso um pouquinho. Afinal, temos que nos proteger da loucura alheia, nem um pouco escassa neste mundo. No entanto, o que mais incomoda as pessoas no meu comportamento é outra coisa.
O que realmente não suportam em mim é a mania que tenho de corrigir o português dos outros. Procuro e aponto erros em literalmente tudo que falam ou escrevem para mim. Nem o que postam no Facebook escapa do meu crivo. Não perdoo sequer as mensagens de texto de celular.
Para início de conversa, tenho uma especial implicância com pleonasmos. As pessoas adoram subir para cima, descer para baixo, entrar para dentro, sair para fora, acrescentar algo a mais, encarar de frente, conviver junto, dar outra alternativa e contar fatos reais - e repetem tudo isso novamente, como já faziam há muito tempo atrás. Como isso me irrita! Extrapola o meu teto máximo de paciência! Por que essas pessoas – para usar outro pleonasmo, este, porém, aceito pelos dicionários – não se suicidam?!
E quando falam, por exemplo, “pediram para eu vim aqui”? Não dá vontade de matar o cidadão?! Ou pedir para ele ir para aquele lugar?! E quando dizem “não sei onde está o meu óculos”? Por que não vão procurá-los naquele lugar?! E o gerundismo? Até quando vamos estar aguentando isso?!
Sei que as pessoas não gostam que eu lhes corrija o português, porém não consigo me controlar. Tento resistir, pois essa minha conduta só me traz problemas, mas, como disse o escorpião para o sapo na fábula, é a minha natureza. Meus últimos três divórcios foram por causa disso, e todas as ex-esposas alegaram crueldade mental da minha parte. Numa carta de amor que recebi na semana passada, consegui encontrar 117 erros de português. Solicitamente, enviei as 117 correções para a minha amada, que - ingrata que só ela - deixou de me amar naquele mesmo dia. Todos os meus amigos se afastaram de mim. Nas raras festas para as quais ainda me convidam, todos se calam quando me aproximo. Até meu cachorro parou de latir, com medo de que eu reclamasse que ele estava latindo errado.
Agora que o Ministério da Educação acaba de aprovar um livro que afirma que é preconceito condenar frases como “nós pega o peixe” – aqui voltando à piscicultura -, descobri que quem está errado... sou eu.

18/07/2011




[1] O título foi roubado de uma expressão que ouvi do grande prof. Miguel Chalub, referindo-se, com grande justiça, a si próprio.

O QUE OS OLHOS NÃO VEEM...





Confesso que ando um pouco cansado da psiquiatria e pensando em mudar de profissão. Estou há exatos 25 anos nessa área e ainda não consegui curar ninguém. Quem sabe eu me torne um escritor? Se é para morrer de fome, melhor que seja como um artista. Seria muito mais romântico. Não precisar mais publicar artigos científicos, atualizar meu currículo Lattes[1] ou atender telefonemas de pacientes chatos, e só me preocupar em escrever as bobagens que me viessem à cabeça – mesmo que ninguém pagasse por elas. Seria o Paraíso!
Mas, enquanto a covardia continuar vencendo a ousadia, vou ficando por aqui. De qualquer forma, é melhor ser psiquiatra do que psiquiátrico. Hoje, porém, me senti como um paciente psiquiátrico. Foi o seguinte. Tive que me submeter a um exame de ressonância magnética. Estava perfeitamente tranquilo até o momento em que entrei no tubo e não segui a instrução de fechar os olhos. Deu-me de imediato um ataque de claustrofobia, achei que não iria conseguir respirar e, como a maioria faz no treinamento do BOPE, pedi para sair. Que mico! Depois de retirado de lá, fui logo dando explicações à técnica que operava o equipamento: que eu era psiquiatra, que isso só ocorria com os pacientes e que nunca tinha acontecido comigo – pois é, todo homem um dia acaba tendo que dar essa explicação para uma mulher, em geral quando a dificuldade é em entrar em outro tipo de tubo.
O que também ocasionou o meu princípio de ataque de pânico foi saber que teria que ficar vinte minutos lá dentro. Vinte minutos?! Eu teria que ficar esse tempo todo pensando na minha própria vida?! Mas que tortura! Não poderiam colocar um monitor de TV para eu poder desligar o meu cérebro e não lembrar minhas próprias desgraças?!
Segunda tentativa e, dessa vez, tudo correu bem. Não abri os olhos e usei como estratégia só pensar em coisas boas: revivi em minha mente o gol do Nunes na final do Brasileiro de 1980 – neste jogo, sim, eu estava no Maracanã -, lembrei-me da beleza da Grace Kelly em Janela Indiscreta, do Hitchcock e imaginei como seria o funeral do general Waldick, meu adorável vizinho do 505. Terminado o exame, para recuperar a pose, simulei uma reclamação: “Poxa, já acabou?! Não dá para ficar mais um pouquinho?”.
Moral da história: o que os olhos não veem o coração não sente. Se a economia do país vai bem, por que devemos nos preocupar com a corrupção nos altos escalões? Se a sua parceira não tem mais aquele corpão – ou nunca o teve -, apague a luz do quarto e fantasie que você está com a Scarlett Johansson. Se o homem é o lobo do homem, o mundo é cruel e todos vamos envelhecer e morrer um dia, melhor assistir às novelas da TV e ler livros de autoajuda, enquanto esperamos pela vida eterna, ao lado dos anjinhos, lá no Céu. Pois é, a ilusão é sempre melhor que a realidade. E, como o ministério da saúde adverte – ou deveria fazê-lo -, a realidade faz mal à saúde. Feche os olhos e... seja feliz.

14/06/2011




[1] Base de dados de currículos, instituições e grupos de pesquisa das áreas de ciência e tecnologia.



REJEIÇÃO





Ocupada demais? Sem tempo para nada? Muito grata pelo convite, mas infelizmente não pode? ‘Tá bom, já entendi, você não gostou de mim. Mas que mania irritante que as pessoas têm de serem tão educadas e não falarem o que realmente pensam! Se você fosse sincera, Aurora, teria dito algo assim: “Sair com você?! Que absurdo! De onde você tirou essa ridícula ideia de que alguém como eu sairia com alguém como você?! Se enxerga!”
Mas não fiquei triste. Nem um pouco. Depois de 117 rejeições este ano – e ainda estamos em junho -, a gente se acostuma. Além disso, vou passar o dia dos namorados com a pessoa que mais amo no mundo e que nunca me abandona, ou seja, eu mesmo. Tampouco senti raiva. A carta-bomba, juro, não era para você. Não sou, de maneira alguma, uma pessoa violenta. O que aconteceu foi que troquei, por engano, os endereços, e o general Waldick, meu adorável vizinho do 505, foi quem acabou recebendo as flores e o cartão com o poema erótico. Freud explica... mas talvez Alzheimer explique melhor ainda. Devo acrescentar que, depois de quinze anos de análise, aprendi a lidar muito bem com a rejeição - desde que, é claro, o rejeitado não seja eu.
Pensando bem, foi até bom; afinal, não combinamos em nada. Você acha o Woody Allen um chato depressivo e nunca viu Um corpo que cai, do Hitchcock. Adorou Marimbondos de fogo, do José Sarney. Acha Nelson Rodrigues um tarado sem-vergonha e não consegue ler Dom Casmurro, pois invariavelmente cai no sono. Nunca ouviu falar no Ruy Castro. Detesta Bossa Nova e pensa que Antônio Carlos Jobim é só o nome do aeroporto. Acredita em Deus, anjo da guarda, horóscopo e Lacan. E, pior do que tudo, não é Flamengo. Não tinha mesmo como dar certo!
Pois é, as uvas estavam verdes – e seus lindos olhos também. Mas você é tão bonita que quis acreditar que os opostos se atraem – da mesma forma que finjo acreditar que é dos carecas que elas gostam mais.

08/06/2011

VICE DE NOVO!




Meus amigos, neste último domingo, estive no Engenhão para ver o Flamengo ser, mais uma vez, campeão carioca. Para ser exato, viajei até o Engenhão, pois o estádio fica do outro lado do mundo! Nelson Rodrigues dizia que sentia “uma infinita nostalgia” do Brasil quando passava do Méier. Só não foi este o meu sentimento porque a Nação Rubro-negra estava lá em peso; e Brasil, por definição, é onde a torcida do Flamengo está.
Mais uma final contra o Vasco - nosso eterno vice -, portanto, com desfecho mais do que previsível. Mas eu não poderia deixar de ir a esse jogo, em função de uma grande frustração pessoal minha. Já explico. Woody Allen disse certa vez que só tinha uma frustração na vida: a de não ser outra pessoa. Compartilho dessa frustração, mas, no meu caso, não é a única. Tenho pelo menos mais duas: não ser o Woody e não ter visto in loco dois gols inesquecíveis do Mengão em finais contra os cruzmaltinos. E não me refiro ao gol do argentino Valido, em 28 de outubro de 1944, no estádio da Gávea, a quatro minutos do apito final, dando ao Flamengo o primeiro dos seus – por enquanto - cinco tricampeonatos. Nessa época, acreditem, eu nem tinha nascido. Aliás, meus pais ainda eram crianças e sequer se conheciam – portanto ainda não tinham começado a brigar. Não, refiro-me aos gols do Rondinelli, em 1978, e do Petkovic, em 2001. Eu jamais me perdoaria se novamente deixasse de testemunhar gols antológicos como estes. E a gente nunca sabe quando eles vão acontecer.
 Em 1978, eu tinha 13 anos e fui com meu pai ao Maracanã assistir à final do campeonato carioca. Ficamos sentados nas cadeiras azuis, bem atrás da meta defendida pelo goleiro do Vasco no segundo tempo. Foi ali, bem pertinho de onde estávamos, que saiu o gol decisivo, marcado de cabeça pelo Deus da Raça, a três minutos do fim do jogo. Perfeito, não? Não. Teria sido perfeito se ainda estivéssemos lá. Porém meu pai, preocupado com o transporte para voltarmos para casa, quis sair um pouco antes do término da partida, um pouco antes do momento do gol. Assim, eu, que até então nunca tinha visto o Flamengo ser campeão, deixei de ver o gol histórico do Rondinelli. Bom, já perdoei meu pai e, desde então, vi e revi as imagens do gol - na TV, em videocassete ou DVD - mais de um milhão de vezes. Mas ficou uma enorme e irreparável frustração...
Como eu queria ter estado no Maracanã na final de 2001, na qual o Flamengo conquistou seu quarto tricampeonato! Mas foi pela TV que vi o gol do Pet, de falta, aos 43 minutos do segundo tempo. Apesar de estar em casa, a emoção foi forte demais! Foi tão intensa que entrei num estado de transe dissociativo e, por causa disso, até hoje não sei muito bem o que fiz. Disseram que, eufórico, saí à rua completamente nu e tentava abraçar todos os que passavam. Mas, sinceramente, não me lembro de nada disso. Não, pelado não fiquei. Impossível. Pelo menos não da cintura para cima, pois, naquele momento, jamais tiraria o Manto Sagrado!


04/05/2011

MODÉSTIA À PARTE





Caros amigos,
Gostaria de agradecer a vocês as felicitações que me enviaram pelo meu aniversário, na semana passada, quando completei 117 anos. De fato, não é qualquer um que chega a essa idade. Mas, como vocês sabem, não sou qualquer um.
Aproveito para dizer que já começo a pensar em me aposentar. Acho que mereço algum descanso, depois da enorme contribuição que dei à humanidade. Não nego que tive algum reconhecimento. Ter sido eleito para a Academia Brasileira de Letras e recebido os prêmios Nobel de literatura e de medicina, o Oscar e a Bola de Ouro da FIFA - além do Estandarte de Ouro - são provas de que me deram algum valor. Contudo, para ser sincero, acho que eu merecia bem mais do que isso.
Minha obra literária começou bem cedo, quando eu ainda cursava o ginásio. A professora mandou que lêssemos Dom Casmurro, de Machado de Assis, e fizéssemos uma redação discutindo se Capitu tinha ou não traído Bentinho. No texto, argumentei que essa questão não tinha a menor importância e que a graça do romance estava justamente na dúvida quanto à inocência ou culpa da personagem dos “olhos de cigana oblíqua e dissimulada”. Esse meu trabalho é hoje considerado um dos mais importantes ensaios da nossa literatura e, por si só, abriu-me as portas da Academia Brasileira de Letras.
Na ABL, é um enorme prazer tomar chá com os outros imortais. Especialmente com o José Sarney, autor do maravilhoso Marimbondos de fogo e um dos nossos maiores escritores – acima dele só Deus, Machado de Assis e eu, não necessariamente nessa ordem. Sarney, este sim, é um imortal: saiu da presidência da República deixando uma inflação de mais de 80% ao mês e está cada vez mais vivo na política brasileira.
O meu maior best seller foi O Antifacebook, baseado num blog de crônicas que eu escrevia quando era jovem. O livro fez tanto sucesso que foi adaptado para o cinema por Hollywood. Chamaram-me para escrever o roteiro do filme, o que me valeu o prêmio da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas naquele ano. Como o livro – e o filme – era baseado na minha vida, o lógico seria que o ator que viesse a interpretar o meu papel fosse fisicamente parecido comigo. Assim, sugeri o nome do Brad Pitt, mas – até hoje não sei o porquê – o produtores preferiram o Woody Allen.
Minha pesquisa na medicina abordou a obra de Sigmund Freud. Por meio de um artigo publicado na Science, comprovei que o pai da psicanálise estava certo. Anos mais tarde, revi meu ponto de vista e, na Nature, demonstrei que ele estava errado. Mais recentemente, na Neuro-psychoanalysis, voltei a apoiar as ideias de Freud. Agora, já com a medalha com a efígie de Alfred Nobel no peito, posso confessar que estou novamente em dúvida sobre essa questão. Espero que não me peçam para devolver a medalha, muito menos os 10 milhões de coroas suecas.
Nem todo o mundo sabe, mas antes de iniciar minha carreira na medicina, fui um grande ponta-direita do Flamengo – numa época em que ainda existiam pontas no futebol. Para calar os que criticaram a minha escolha como o melhor jogador do mundo, vou fazer uma importante revelação, algo que a minha extraordinária modéstia sempre me fez esconder. Há pouco tempo, ganhei de presente de minha aluna Patrícia um exemplar do livro Zico conta a sua história, com um autógrafo do Galinho e uma dedicatória para mim. Ele escreve assim: “Ao professor Elie”. Viram? Ao professor! Agora vocês sabem quem o ensinou a jogar bola!
Mas a minha vida não se limitou ao trabalho. De fato, a minha vida amorosa também sempre foi bastante rica. Parei de contar o número de mulheres que tive quando chegou a 117 – e nessa época eu nem era mundialmente famoso ainda. Para satisfazer um pouco a curiosidade de vocês, posso dizer que são verdadeiros os rumores publicados na imprensa de que eu estaria agora namorando, ao mesmo tempo, a Penélope Cruz e a Scarlett Johansson – além da vizinha cujo quarto dá de frente para a janela do meu apartamento.

05/03/2011



MATRICÍDIO





Quem diria que eu terminaria meus dias aqui, no corredor da morte, esperando minha execução na cadeira elétrica? Que ironia! Logo eu, que, como psiquiatra, defendia o uso do eletrochoque para tratar tudo, até unha encravada. Sinto-me agora como um típico personagem hitchcockiano, acusado - e condenado - por um crime que não cometi. Como eu poderia ter matado a minha doce e querida mãezinha?! Justamente a pessoa que eu mais amava no mundo!
Eu poderia passar horas e horas falando sobre as suas inúmeras qualidades e sobre a saudade que sinto dela. Como ela gostava de mim! Como ficou feliz quando nasci! Ela me contava que, naquele momento, olhou para mim e, cheia de orgulho, disse: “é a minha cara!”. E, em seguida, completou: “... feio como eu”.  Que satisfação me dava ouvir essa história, que ela adorava repetir!
Na minha infância, muito atenciosa, ela estava sempre preocupada com a minha educação, constantemente tentando corrigir meu comportamento. Se eu fazia alguma coisa, estava errado; se fazia o contrário, também estava errado; e, se não fazia nada, mais errado ainda.
Eu admirava muito a sua inteligência e capacidade de comunicação. De fato, ela não parava de falar. Se faziam uma pergunta ao meu pai, ela respondia; se faziam uma pergunta a mim, ela respondia; e, se perguntavam algo a ela – acreditem -, ela respondia também – embora muitas vezes sua resposta não tivesse nada a ver com a pergunta. Vez por outra, ela comentava que eu e meu pai éramos muito calados. Mas por que iríamos dizer algo se tínhamos a oportunidade de ouvir seus maravilhosos e inesquecíveis comentários?! Seus maravilhosos e inesquecíveis comentários sobre... sobre... Essas lembranças me emocionam tanto que não consigo lembrar agora sobre o que exatamente ela falava.
Ela constantemente expressava o seu amor maternal. Jamais me esquecerei da cartinha que escreveu para mim, já adulto. Ela começava dizendo que me adorava e, na sequência, listava 117 graves defeitos que eu tinha e precisava corrigir. Guardo até hoje essa carta comigo e, sempre que posso, a releio para melhorar a minha autoestima.
Embora ela fosse uma pessoa adorável, é verdade que era um pouco “nervosa”. De vez em quando elevava um pouco a voz em conversas serenas com o meu pai – acho que sobre a decoração da casa ou sobre os filmes do Bergman -, e a polícia era chamada pelos vizinhos. Não posso negar que ela teve desentendimentos sérios com algumas poucas pessoas: além do seu marido, seu irmão, sua sobrinha, todos os vizinhos do prédio e metade da torcida do Flamengo. Preocupado com o seu “temperamento forte”, pedi a quatro colegas meus que a atendessem. Um largou a psiquiatria, outro cometeu suicídio e os outros dois não falam mais comigo. O que largou a psiquiatria tornou-se padre e, hoje em dia, pratica o exorcismo.
O esbarrão que dei nela, justamente no momento em que o trem do metrô estava para passar, foi, sem dúvida alguma, acidental. Como o júri pôde acreditar nas imagens das câmeras de segurança?! Como disse Nelson Rodrigues – numa antiga mesa-redonda sobre futebol na TV -, o videotape é burro. A propósito, os meus 117 colegas de cela aproveitam para declarar que são inocentes também.

24/02/2011


O ANTIFACEBOOK




A recente notícia de que o Facebook foi avaliado em 50 bilhões de dólares inspirou-me uma nova e revolucionária ideia. Mas fique tranquilo, caro leitor. Sei que no passado tive algumas ideias um pouco extravagantes, como aquela de fundar uma religião, na qual eu seria Deus. Porém não tenho dúvidas de que tudo vai dar certo agora. Vou criar uma rede social na internet que vai competir com o Facebook e, em pouco tempo, desbancá-lo. Ela vai se chamar Antifacebook, pois em tudo vai ser o oposto do Facebook. Deixe-me explicar como veio essa minha extraordinária inspiração.
No passado, quando me sentia triste e sozinho, eu entrava repetidamente no Facebook para, de alguma forma, aplacar minha solidão. Lá, via nos álbuns de fotos dos meus amigos imagens de viagens fantásticas à Europa, passeios em praias paradisíacas do Nordeste, festas dionisíacas, além de abraços e beijos cheios de amor e volúpia. Todos invariavelmente sorrindo. Aí eu ficava mais deprimido ainda! “Por que a minha vida não é assim?”, me perguntava. Já é duro nos sentirmos infelizes, mas, diante da felicidade dos outros, nossa dor se torna ainda mais profunda.
Num belo dia, de repente, não mais que de repente, tive uma súbita revelação. Pensei: “Não é possível que todos os meus amigos, sem exceção, sejam assim tão felizes. Não acredito que haja no mundo tanta gente alegre ao mesmo tempo. Mesmo que todos tomassem diariamente um coquetel de medicamentos contendo Prozac®, Ritalina®, Rivotril® e Viagra®, não poderia haver tanta felicidade coletiva. Nem mesmo se o Flamengo fosse campeão mundial todo santo dia!” Aí veio a minha grande sacada. Compreendi que as pessoas, no Facebook, só mostram os seus melhores momentos, como num compacto de uma partida de futebol na TV. O que é chato, sem graça, vergonhoso ou triste fica de fora das fotografias.
Como então vai ser o meu Antifacebook? Nele vamos ver a vida como ela é, sem disfarces, sem maquiagem. Por exemplo, digamos que morra a avó de uma amiga minha. Aí ela criaria o álbum O funeral da vovó. Nele haveria imagens da defunta em close dentro do caixão, das coroas de flores, da família inteira da velhota chorando copiosamente. E se um amigo descobrisse que foi traído pela esposa e decidisse se matar? O álbum se chamaria Minha tentativa de suicídio. Teríamos fotos dele cortando os punhos, do tapete da sala todo ensanguentado, do motorista louco da ambulância, do hospital público caindo aos pedaços e ainda do médico - com cara de sono, pau da vida por ter sido acordado no meio da noite para dar pontos naquele desgraçado. Meu amigo poderia também fazer outro álbum, Minha mulher e o amante, recheado de fotos apimentadas tiradas no motel.
Como tenho tanta certeza do sucesso do Antifacebook? É elementar, meu caro leitor. Vou ficar bilionário porque, no mundo real, tristeza não tem fim, felicidade sim. Pode me chamar de pessimista, mas, para mim, alegria é exceção neste planeta. As pessoas reais, infelizes que são na maior parte do tempo, vão acessar o meu Antifacebook e, vendo a infelicidade dos outros, vão pensar: “Nossa, que sofrimento! Até que a minha vida não é tão ruim assim”. Vão ficar viciadas na nova rede social! Nada como a desgraça alheia para nos alegrar...
Se vou me tornar uma pessoa feliz quando for bilionário? Claro que não! Você não presta atenção no que eu digo?!
09/01/2011

ALFRED HITCHCOCK, O MESTRE DA CULPA





Meu grande ídolo é o Woody Allen, mas, como cineasta, considero o Hitchcock o maior de todos os tempos. Vários dos meus filmes favoritos são dele: Um corpo que cai, Janela indiscreta, Psicose, Frenesi, Os pássaros, Intriga internacional, A dama oculta, entre outros. Aliás, Um corpo que cai é para mim o melhor filme da História do cinema - mas isto é assunto para uma próxima oportunidade.
O velho Hitch ficou conhecido como o mestre do suspense. Sem dúvida nenhuma, a maioria dos seus filmes, especialmente os melhores, pertence a esse gênero, que ele dominava como ninguém. No entanto, a tese que vou aqui defender é a de que o tema essencial de sua obra é a culpa. Assim, alternativamente, ele poderia ser chamado de o mestre da culpa.
Qual é a trama típica de seus filmes? É cometido um assassinato e um indivíduo é injustamente acusado de ser o autor do crime. O falso culpado, então, tenta encontrar o verdadeiro criminoso, ao mesmo tempo em que é perseguido pela polícia. O final quase sempre é feliz: o protagonista é inocentado, e o assassino morre ou vai para a cadeia. Intriga internacional talvez seja o melhor exemplo desse modelo.
Mas a culpa não estava apenas em seus filmes, estava principalmente em sua alma - não estou me referindo à sua esposa, Alma Reville Hitchcock. Em entrevistas, Hitchcock adorava contar uma história de sua infância. Aos quatro ou cinco anos de idade, ele havia feito alguma pequena travessura e, em função disso, seu afetuoso pai o mandou a uma delegacia de polícia com um bilhete. O delegado o leu e, em seguida, trancou o jovem Hitch numa cela por alguns minutos - que devem ter parecido uma eternidade -, dizendo a ele: “Veja o que se faz com os meninos maus”. Já adulto, Hitchcock dizia que sentia muito medo de policiais e que jamais aprendera a dirigir um automóvel para não correr o risco de ser abordado por um agente da lei. Porém, na sua obra, conseguiu de certa forma se vingar: em seus filmes, a polícia é em geral incompetente e quase nunca consegue descobrir quem é o criminoso.
Embora tenha nascido na Inglaterra, Hitchcock era de uma família católica, tendo sido, inclusive, educado em uma rigorosa escola de padres jesuítas, que puniam os maus comportamentos com a palmatória. (Nada melhor do que o catolicismo para incutir o sentimento de culpa no ser humano!) Em alguns filmes, ele parecia estar querendo dar o troco também na Igreja. Um exemplo disso está em A tortura do silêncio, no qual um homem se confessa com um padre, revelando ter matado alguém. Por ironia, o padre é acusado desse crime, mas não pode entregar o verdadeiro assassino, devido ao sigilo do sacramento da confissão. Já em Trama macabra, seu último filme, um bispo é sequestrado em uma catedral no meio de uma missa que celebrava.
Acredito que os filmes do Hitchcock sempre foram tão populares porque promovem nos espectadores o alívio de suas culpas. Vou tentar explicar. A religião nos ensina que todos somos pecadores. Mal nascemos e já somos acusados do pecado original. Ela nos ensina ainda que não é necessário que a pessoa faça algo de errado para merecer punição, basta desejar ou mesmo apenas imaginar. Freud, por sua vez, nos mostrou que as regras e proibições morais são internalizadas pelo indivíduo e constituem grande parte de uma estrutura intrapsíquica que ele chamou de superego. Este está sempre monitorando e julgando nossas ações, pensamentos e desejos, mesmo os inconscientes, e, com grande frequência, nos pune – com autossabotagem, ansiedade ou, simplesmente, sentimentos de culpa. Ou seja, temos um algoz implacável dentro de nós! (É claro que muitos não possuem um superego muito rígido, ou não têm superego algum, e acabam fazendo carreira na política.)
Na trama típica dos filmes hitchcockianos, o falso culpado, embora esteja involuntariamente envolvido em uma situação extraordinária – assassinatos em série, espionagem internacional –, não tem os poderes de um super-herói, é apenas uma pessoa comum – tem emprego, família, cachorro, contas para pagar etc.  Assim, por ser tão prosaico o personagem, é fácil para o espectador se identificar com ele. A injusta perseguição de que é vítima o personagem remete o espectador às suas próprias angústias e culpas. No final, quando o verdadeiro criminoso é punido e o protagonista, inocentado, o espectador se sente desculpado, redimido, talvez até purificado.
04/12/2010

ENFIM, CURADO





Minha querida amiga Marta,
Escrevo-lhe para lhe fazer um grande agradecimento. Pensei muito na última conversa que tivemos e decidi seguir seus valiosos conselhos: aprender dança de salão e me submeter à TCC[1]. Comecei ambos há apenas duas semanas e, acredite, já estou completamente curado da minha neurose. Muito obrigado! (O bom de o termo neurose ter saído das classificações psiquiátricas é podermos nos dizer neuróticos e continuarmos negando que somos loucos, malucos ou pirados.)
Para ser mais exato, a dança de salão ainda não deu muito resultado. Esse insucesso temporário se deveu a um mero acaso, e não à minha total falta de coordenação motora. As aulas tiveram que ser prematuramente interrompidas, devido ao inesperado suicídio do meu professor. Nunca me esquecerei da última aula com o saudoso mestre, na véspera de sua morte. Naquele dia, ele, que sempre tentava me incentivar, alterou um pouco sua didática e fingiu estar zangado comigo, gritando: “Se você não acertar essa p... pelo menos uma vez na vida, mato você ou dou um tiro na minha cabeça!”. Tenho plena convicção de que não tive nenhuma culpa por essa terrível tragédia, embora o seu bilhete-suicida tenha citado o meu nome 117 vezes.
Depois de quinze anos ininterruptos de psicanálise, sem solução para o meu caso, encontrei finalmente a salvação na TCC. Quando meus colegas da sociedade psicanalítica souberam dessa minha nova iniciativa, chamaram-me para uma reunião. Durante a conversa, eles tentaram sutilmente me dissuadir de fazer TCC, quebrando-me o nariz, quatro dentes e duas costelas. Mas não ficaram só nisso. Recomendaram que eu fizesse mais alguns anos de análise, o que seria a melhor maneira de vencer minha resistência contra a análise. E ainda me obrigaram a jurar com a mão sobre as obras completas de Sigmund Freud que jamais abandonaria a psicanálise. Porém os enganei, pois, em vez da nossa bíblia, eram os seminários de Lacan que eu segurava.
Apesar de todos os percalços, iniciei a Terapia Cristã Cardecista. (A TCC de que você falou é esta, não é?) A princípio, achei um pouco estranho “kardecista” com C, mas, como confio plenamente nos seus conselhos, segui em frente. Então voltei a acreditar em Deus e passei a ver um sentido em tudo na vida, inclusive no Holocausto, na epidemia da AIDS, no terremoto do Haiti e na escolha do Dunga para técnico da nossa seleção na Copa. Atualmente vejo gente morta todo dia e estou sempre conversando com espíritos. Ou seja, a minha saúde mental nunca esteve tão boa!


02/12/2010



[1] Sigla em geral utilizada para designar Terapia Cognitivo-Comportamental.


PARENTE (IN)CONVENIENTE






Caros amigos,
Perplexo, deparo-me agora com a seguinte notícia na imprensa: “Presidente eleito do Fluminense Football Club para o triênio 2011/2012/2013, o advogado Peter Siemsen revelou alguns nomes que devem fazer parte da diretoria. Peter anunciou que Carlos Eduardo Cardoso será o vice-presidente jurídico... e Marcelo Cheniaux controla as finanças”.
Fico muito triste em saber que estão sujando o nome de minha nobre família! É extremamente lamentável que alguém que use o mesmo sobrenome que eu esteja se envolvendo com esse tipo de instituição! Venho a público esclarecer que somos parentes muito - mas muito mesmo - distantes. Jamais o vi na vida. Não sei se ele tem cachorro, se toca violino, se gosta de praia, ou se é gordo ou magro. Só temos em comum um casal de bisavós, o senhor Eliahu e a senhora Simhá, nascidos em algum lugar do Oriente Médio, os quais também nunca conheci. (Parece que os dois já faleceram.) Em suma, não somos parentes.
Neste momento, continuando a ler a matéria, vejo que ele foi sócio do Eike Batista na empresa EBX. Bem, por falar em finanças - e em futebol -, as minhas não andam muito bem das pernas, estão mesmo com a bola murcha. Talvez eu precise de um empréstimo para pagar alguns agiotas e as dívidas de jogo. Talvez seja interessante eu bater um papo com meu querido primo, que ainda não tive o prazer de conhecer, mas que sempre admirei profundamente.

01/12/2010

WOODY E EU





Se você está sempre alegre e vê a vida como uma grande festa, não deve gostar do Woody Allen. Se você nunca pensa na morte ou questiona se Deus existe, não deve suportar o Woody Allen. Se você vê os relacionamentos amorosos como simples e descomplicados, não deve sequer saber quem é o Woody Allen. Bem, se você é assim, deve ser muito feliz, mas deve ser muito chato também. Para mim, a humanidade se divide em dois grupos: os que adoram o cineasta nova-iorquino e... os outros. Os primeiros contam com todo o meu respeito, carinho e admiração; quanto aos outros, merecem ir para um campo de concentração, a pena de morte ou, pior, ouvir música sertaneja. Para mim, acima do Woody só Deus. Como Deus não existe...
Tenho até o autógrafo dele - do Woody, não do Criador. Em 1999, gastei todas as minhas economias e fui a Nova York só para vê-lo e ouvi-lo tocar clarinete com sua banda de jazz estilo New Orleans. (Aproveitei que estava por lá e passeei um pouquinho, é verdade.) Depois de dar autógrafos para dezenas de fãs, Woody estava indo embora quando eu, suplicando, gritei: “Please!”. Ele então voltou e assinou no meu guardanapo de papel, com o qual quero ser enterrado - junto com a bandeira do Flamengo, é claro. Aliás, quando emprestei a ele a caneta – que até hoje não me foi devolvida -, acho que esbarrei com a minha mão direita na mão esquerda dele. Acho que foi sem querer. Acho que Freud diria que foi de propósito, assim como minha analista. Acho que eu também. Bom, a única coisa certa é que, desde então, numa mais lavei essa mão.
Woody nega que seus filmes sejam autobiográficos. Ele está certo, seus filmes não retratam a vida dele, retratam a minha – embora nem ele nem ninguém saiba disso. Claro que o que aparece na tela não é uma cópia fiel da minha vida, é apenas uma caricatura dela, o que, por sinal, a faz parecer mais engraçada e mais interessante. ‘Tá bom, sendo menos egocêntrico, reconheço que, além de mim, milhões de pessoas em todo o mundo se identificam com o seu personagem neurótico.
Com Woody, aprendemos a rir de nós mesmos – de nossas falhas, medos e inseguranças – e, assim, conseguimos suportar melhor a dor da existência. Quantas vezes, triste, recorri a seus filmes para me alegrar! Revendo os mesmos filmes, rindo das mesmas piadas. Woody, misturando como ninguém humor com lirismo, mostra como nós, seres humanos, somos tão ridículos, frágeis e desamparados, e, ao mesmo tempo, nos faz acreditar, pelo menos por um instante, que a vida pode ser bela e romântica, cheia de música, magia e fantasia.

02/10/2010

SINAIS DE FOGO?!






Recebi a seguinte mensagem de uma desconhecida, postada num site de relacionamentos:
Sou uma mulher inteligente e vaidosa, que adora elogios. Foi a que você encontrou. Como poderíamos descobrir o que mais temos em comum? Alexander Graham Bell? MSN? Sinais de fogo? Avise-me. Beijo.
Como sei que as mulheres adoram o meu senso de humor, respondi assim:
Minha cara,
Sinais de fogo?! Ah, sim, sinais de fumaça, como os índios fazem. Será que você cometeu um ato falho freudiano? O “fogo” veio de alguma pulsão libidinal que conseguiu driblar a repressão? ‘Tá bom, onde há fumaça há fogo, um charuto pode ser meramente um charuto. Não se fala mais nisso...
Mas, voltando ao assunto, sinais de fumaça podem ser mesmo a alternativa mais confiável nestes tempos de apagão. Minha preocupação é a conversa me entusiasmar tanto que eu acabe incendiando meu apartamento.
O velho Alex? Não sei, não... Tenho fobia de telefone. Posso ficar nervoso demais por falar com uma mulher tão inteligente, bem humorada, vívida e, mais do que tudo, modesta, e acabar gaguejando, sem conseguir concluir uma frase sequer.
MSN? Pode ser, mas vou ter que abrir uma nova conta para, como os super-heróis, proteger a minha identidade secreta. Mas fique tranquila. Não sou Josef Mengele, Hannibal Lecter ou dr. Jekyll, para citar alguns médicos famosos.
Outra opção seria a telepatia. Claro! Se de fato nascemos um para o outro, podemos nos comunicar usando apenas o poder da mente. Neste exato momento estou pensando em você. Ih, não consegui ouvir seu pensamento! Mas não se preocupe. Vou procurar meu otorrino e fazer uma revisão da minha audição. Se não resolver, falo com meu psiquiatra e peço para ele reduzir a dose do Haldol®.
Loucos beijos,
E.
Bem, pelo jeito, ela não achou a menor graça. Até hoje não chegou nenhuma resposta dela...


15/11/2009

MINHAS PREFERÊNCIAS





Cara amiga Adriana,
Como você perguntou sobre minhas preferências, aqui vão elas. Precisa ser bonita (portanto não pode ser médica), inteligente (portanto não pode ser psicóloga) e rica; ter abaixo de um metro e noventa de altura; gostar mais do Woody Allen do que eu; e, principalmente, torcer pelo Flamengo. Ou seja, perfeita!
Bom, como talvez você não tenha nenhuma amiga exatamente assim, vou tentar ser um pouco flexível.
Pode até não ser rubro-negra de coração desde criancinha, mas que não torça contra o Flamengo, comemore comigo as vitórias e me console nas derrotas.
Ser mais fã do Woody Allen do que eu realmente é difícil. Se já tiver ouvido falar no cineasta nova-iorquino e não o odiar (por incrível que pareça, tem gente que detesta o Woody Allen!), já dá para aceitar.
Quanto à altura, vamos arredondar para dois metros o limite máximo. Mais do que isso não dá pé!
Em relação ao vil metal, não precisa me sustentar, mas tem que concordar em dividir a conta do telefone se vier a morar comigo.
Esqueçamos a inteligência. Como todo o mundo sabe, quanto mais intelectual a mulher pior é o seu desempenho sexual.
Por fim, vamos abrir mão também da beleza. Esta poderia se tornar um problema, pois iria chamar a atenção dos outros homens, e eu seria trocado rapidinho por coisa melhor.
Se continuar difícil encontrar alguém para mim, vamos baixar mais um pouco o nível de exigência. Não sendo um travesti, uma boneca inflável, um animal de quatro patas ou um eletrodoméstico, já está bom. Pelo menos que seja mulher. Pelo menos isso!
Um beijo,
Elie
01/07/2007