No iniciozinho deste ano, eu estava jantando
com um amigo, quando, da caixa de som do restaurante, ouvimos uma música. Para
puxar assunto, perguntei quem estava cantando. Indignado, meu amigo respondeu:
“Como assim você não sabe quem está cantando?!”. E, expressando admiração,
completou: “É Fulana!”. De fato, eu não conhecia aquela voz horrorosa, muito
menos a letra mais do que pueril ou a melodia paupérrima. Porém, nada disso falei,
com medo de ferir os sentimentos do meu amigo e, principalmente, de levar um
soco na cara, já que ele é bem maior do que eu. Em vez disso, indaguei
humildemente: “De onde eu deveria conhecê-la?”. Sua resposta debochada foi: “Do
mundo”.
“O que tenho eu a ver com o mundo?!”, pensei.
Ele não sabia, mas, desde meados do ano passado, eu resolvera romper com o
mundo. Inconformado com a situação do planeta, especialmente do nosso país, eu
tinha decidido me alienar. Eu não aguentava mais ver diariamente as notícias sobre
violência urbana, desigualdade social, aquecimento global, guerras e corrupção ou
demagogia dos nossos governantes. Só desgraça! Como se isso não bastasse, eu
estava chocado com o sucesso extraordinário no meio artístico de pessoas sem
qualquer talento, como a tal Fulana.
Então, da noite para o dia, eu, que lia
diariamente 117 jornais do mundo inteiro, parei por completo de acompanhar o
noticiário. Deixei até de ver a previsão do tempo, com medo de me aborrecer.
Agora, se o mundo acabar, só vou saber uma semana depois.
No dia a dia, se estão discutindo perto de mim algo
sério, principalmente política, me afasto ou tapo os ouvidos, para não saber de
coisa alguma. Podem me chamar de alienado, de ignorante, mas, desde que tomei a
decisão de me proteger do mundo, passei a sofrer menos e a me sentir mais feliz
- ou, pelo menos, menos infeliz.
Tudo corria relativamente bem até que, nas
últimas semanas, o mundo resolveu se vingar e me punir pelo meu comportamento.
Foi armado um gigantesco complô contra mim, e, de uma hora para a outra, todos,
ao mesmo tempo, resolveram me rejeitar. Recentemente, telefonei para um amigo,
para chamá-lo para ir comigo a um jogo do Mengão no Maracanã, e ele, do outro
lado da linha, começou a rir. No dia seguinte, enviei uma mensagem para uma
linda moça, convidando-a para uma boate, e a resposta dela foi: “Você está
maluco?!”. Todos os meus pacientes cancelaram as consultas comigo, e a minha
analista e a minha fisioterapeuta não querem mais me atender. Por onde ando, as
pessoas se afastam de mim e se recusam a me abraçar ou me beijar. Sequer
consigo um aperto de mão! E, para completar, os meus amigos passaram
a usar máscaras na rua para que eu não consiga reconhecê-los.
‘Tá bom, admito que, no momento, as coisas não estão boas para mim. No entanto, estariam muito piores se eu tivesse voltado a ler as notícias.
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