quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

MENTE E CORPO







Mente e corpo são algo único e indivisível ou representam duas coisas diferentes? Para Woody Allen, “a mente abarca todas as mais nobres aspirações, como poesia e filosofia, porém o corpo é que fica com toda a diversão”. Segundo uma corrente filosófica bastante radical, o materialismo eliminativo, só o corpo é real e a mente simplesmente não existe. Isto até pode ser verdade, pelo menos em relação aos participantes do Big Brother Brasil, com seus corpos esculturais e cérebros inteiramente inabitados.
No meu caso em particular, mente e corpo estiveram sempre muito separados e nunca se entenderam muito bem. Para mim, meu corpo era meramente um meio de transporte, provisório, para a minha alma. Esta concepção se formou quando eu era criança, em função de minha educação católica, que me fez valorizar apenas a alma e desprezar o corpo. Aprendi que eu tinha que ser um bom menino para que a minha alma, imortal, fosse para o Céu após a morte do meu corpo, impuro.
Mais tarde, já que a Deise, minha sedutora colega do ensino médio, não queria nada comigo, passei a adolescência lendo Machado de Assis e Nelson Rodrigues, jogando xadrez e vendo no cinema ou em videocassete Hitchcock, Woody Allen, Frank Capra e Truffaut. É verdade que também jogava uma bolinha de vez em quando e sonhava em ser ponta-direita do Flamengo. Mas eu era tão ruim no futebol que acabei indo fazer faculdade de medicina mesmo. Afinal, por pior médico que eu viesse a me tornar, não mataria tanta gente quanto se fosse atacante do Mengão – os corações de milhões de torcedores não resistiriam a tantos gols feitos perdidos.
Na vida profissional, continuei negligenciando o corpo e me dediquei à psiquiatria, a especialidade médica que cuida das doenças da mente. E ainda fui fazer formação psicanalítica, onde aprendi que o corpo e o cérebro são meros detalhes inconvenientes. (Para ser justo, não era bem assim que Freud pensava. Se ele ressuscitasse agora e visse o que fizeram tomando seu santo nome em vão, com certeza cometeria suicídio!)
Todavia, recentemente, meu corpo resolveu se vingar e tive que dar mais atenção a ele. Num belo dia, forte fisgada na coluna lombar, do lado esquerdo. Este foi o laudo da ressonância magnética: “osteófitos marginais incipientes em L4, L5 e S1; abaulamento discal difuso em L4-L5 endentando o saco dural e as porções inferiores dos foramens neurais”.
Consultei-me com uma fisiatra, a dra. Elizabeth, que diagnosticou que eu tinha problemas quanto à consciência corporal. Eu já sabia disso e relatei a ela um episódio que ilustra bem essa minha dificuldade. Certa vez, eu tinha ido ver um filme do Bergman com uma amiga. Depois da sessão, enquanto debatíamos o profundo significado da obra, de repente ela soltou um grito: “tira a mão daí, seu...!”. Não adiantou nada eu dizer que minha consciência corporal era igual a zero e que eu não tinha a menor ideia de como a minha mão tinha parado ali, justamente ali. Levei o tapa no rosto do mesmo jeito...
A fisiatra também me disse que eu não conseguia escutar o que meu corpo dizia. Achei que ela iria indicar uma audiometria ou me encaminhar a um otorrino, porém, em vez disso, ela recomendou Pilates e RPG.
Na primeira vez em que fui à aula de Pilates, fiquei bastante confuso. Chegando lá, vi aparelhos que lembravam instrumentos de tortura da Inquisição, mas também diversas bolas grandes e coloridas. Eu não sabia se iam esticar todo o meu corpo até que eu confessasse ser um herege ou me botar para brincar. Depois vim a descobrir que as duas coisas acontecem.
A RPG, por sua vez, até hoje é para mim um pouco estranha. No início de cada sessão, fico ali deitado e, Clarissa, minha dedicada fisioterapeuta, puxa daqui e empurra de lá, tentando colocar minhas vértebras de volta ao lugar certo. Parece que estou em uma oficina de automóveis: é como se ela fosse o lanterneiro e eu, o carro amassado. Só a pintura ela não faz...
De uns tempos para cá, além do Pilates e da RPG, tenho feito caminhadas, voltei a nadar, parei de beber e só como alimentos saudáveis. Desisti da Academia Brasileira de Letras e entrei para uma academia de ginástica mesmo, onde faço Indoor Psycho, ou melhor, Indoor Cycle. Agora, em vez de currículo Lattes, tenho currículo Pilates. Em suma, nunca cuidei tão bem da minha saúde física. Transformei-me em outro homem e meus hábitos se modificaram profundamente: o tempo todo ouço música sertaneja, fui a um festival de filmes do Stallone, estou lendo um livro de autoajuda, mandei fazer meu mapa astral e marquei uma consulta com um numerólogo. Tem até me dado uma vontade irresistível de ver o Big Brother na TV!
Pois é, agora é a minha mente que está se sentindo negligenciada...


12/01/2012

3 comentários:

  1. Elie
    Gostei muito do seu texto. Sua "autoanálise" é sensacional. Como nosso sábio Freud fazia bem, com muito bom humor!
    Abraço

    Zeila

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  2. Meu bom amigo,dei algumas risadas.
    Abrs
    Marcio Astrachan

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