Após uma argumentação minha
a respeito de uma questão científica, recebo esta afetuosa réplica de um
colega:
...
Sou hoje, certamente, o maior divulgador dos ensinamentos do professor Fulano
de Tal... Parece que você não entendeu nada do que disse Sicrano, se é que o
leu... O que eu disse, e reafirmo, é que o trabalho primoroso de Sicrano tem
hoje valor estatístico, o resto é resto; a minha prática de mais de quarenta
anos o comprova...
Woody Allen diz que no show business é cobra comendo cobra ou,
pior, cobra não retornando os telefonemas de outra cobra. Parafraseando meu
ídolo, eu diria que na carreira acadêmica é cobra comendo cobra ou, pior, cobra
não respondendo as mensagens eletrônicas de outra cobra. Depois da resposta do
meu adorável colega, senti saudade do tempo em que as minhas mensagens eram
simplesmente ignoradas.
Só quarenta anos de
experiência psiquiátrica?! Pensei que fosse muito mais tempo, pelo menos o
triplo! Mas, sinceramente, sinto uma enorme inveja do meu querido colega.
Inveja, sim, juro por Deus! Ele ministra aulas sobre assuntos dos quais nada
entende, tem ideias mais anacrônicas do que concurso de miss Brasil, fala descarrilhamento em vez de descarrilamento e usa mim para conjugar verbos – “para mim falar”, “para mim fazer” etc. No entanto, ele se acha o máximo... Como eu queria
ter essa autoestima!
Se eu fosse psicanalista –
e, por acaso, eu sou -, diria que inconscientemente ele sabe o quanto é
medíocre e que sua arrogância é o resultado de um mecanismo de defesa que o
impede de se ver como é. Se eu fosse psicopatólogo – e, por acaso... deixa pra lá -, diria que se trata de um
delírio compensatório numa psicose enxertada. Mas o que importa? Essa defesa
está funcionando para ele, que realmente acredita ser o príncipe herdeiro de um
grande mestre em nossa área. A autoilusão é uma benção, a autoilusão é a chave
para a felicidade!
O que me angustia é que sou
exatamente o contrário. Todos dizem que sou lindo, brilhante e maravilhoso, mas
não consigo acreditar. Bem, para ser sincero, ninguém fala nada disso sobre
mim, mas, se falassem, eu também não acreditaria. Adoro receber elogios e,
quando passo mais de uma semana sem ouvir algo positivo ao meu respeito, entro
em crise de abstinência e penso em suicídio. Os elogios me fazem bem, mas jamais
acredito neles. Sempre penso que a outra pessoa está apenas querendo ser gentil
e simpática ou então exagerando. Porém, ruim com os elogios, muito pior sem
eles...
Depois que três namoradas me
disseram que eu tinha mãos bonitas, até cheguei a considerar, num primeiro
momento, que pudesse ser verdade. Mas aí pensei: “Só elogiam as minhas mãos!
Então o resto do meu corpo é para jogar no lixo?!”. Depois fiquei imaginando
que pudesse ser uma figura de linguagem: ter mãos bonitas significaria escrever
bem. Mas claro que isso não corresponde à realidade. Escrever bem é o que
faziam ou fazem Machado, Nelson Rodrigues, Vinicius, Drummond, Chico Buarque,
Ruy Castro e Sarney – este não, me enganei, apaguem.
Assim, não consigo entender
o que você viu em mim.
Melhor pedir para o seu psiquiatra aumentar a dose do
antipsicótico. Ou então não. Continue a dizer coisas bonitas no meu ouvido.
Prometo que um dia vou acreditar.
17/09/2011
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